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Naomi Munakata

São Paulo / SP - Brasil
68 anos, musicista

Ladeiras e pipas na infância


Quando chegamos ao Brasil, em 1957, fomos morar na Vila Mariana, lá perto da Praça da Árvore, numa rua chamada Gravi, em São Paulo. Nossa casa era na frente e o salão de trás era usado como igreja. O meu pai era o pastor e a minha mãe dava aula de educação infantil lá. Morávamos do lado de uma ladeira de paralelepípedos, que a gente descia de carrinho de rolemã o tempo todo. Eu era muito moleque. A gente fazia pipa também. Vendia na feira, ganhava uns trocadinhos e ia comprar bala. Era um mundo bem diferente de agora. A gente brincava na rua mesmo, meu pai sempre deixou as crianças bem livres. Acho que aprendi português brincando na rua.

A gente tinha a educação em língua japonesa e também ia à escola brasileira. A escola japonesa era muito severa, bem nipônica. Já a brasileira era mantida por uma igreja metodista. Chamava-se Escola Americana de Mirandópolis, e era ligada à comunidade evangélica. Não tinha muito japonês lá. E meus amigos eram mais dessa escola. Então, eu nunca tive muitos amigos japoneses.

Dentro de casa, porém, nós éramos japoneses. Chegou em casa, não podia falar português. Acho que era porque meus pais não entendiam a língua. O engraçado é que, entre os irmãos, nós só falamos português. Isso acontece até hoje. Não conseguimos falar em japonês, a não ser com a minha irmã caçula, que é temporã e foi morar no Japão desde pequena. Meu irmão mais velho, inclusive, já quase nem fala japonês. Ele lê muito bem e entende muita coisa, mas não consegue falar. Eu já falo melhor, porque vou todo ano pra lá visitar meus pais.

Por outro lado, meu pai não obrigava nenhum dos filhos a freqüentar o culto. Nós nem fomos batizados. Ele dizia que todo o mundo podia ser batizado depois dos 18, se quisesse. Meu pai nos deu uma educação muito livre. Nem na escolha da profissão ele interferiu. Cada um escolheu a carreira que quis. Meu pai sempre foi daqueles que não se preocupam com o que vai acontecer. Tem mais espírito de aventura. Até hoje, com 84 anos, ele acha que em tudo se dá um jeito.

A verdade é que meu pai incomodava muito os japoneses daqui. O tipo de sermão que ele dava não agradava muito as pessoas da colônia. Para ele, o sermão não é só para pregar a palavra de Deus, mas também para falar de sociologia. E os japoneses da comunidade eram do famoso kachigumi, que acreditavam que o Japão tinha ganhado a guerra. No fim, meu pai acabou saindo da igreja. Meu irmão diz que ele praticamente foi expulso. Aí ele foi construir outra igreja no bairro da Liberdade, e nós fomos com ele. Isso foi na década de 60.

Meu pai sempre gostou daqui. Para minha mãe, eu acho que a experiência foi mais traumática. Embora vivesse no Brasil, na vida dela tudo era em japonês. Tinha a igreja, a escola, todos eram japoneses ou descendentes. E a minha mãe nunca gostou disso, de ficar presa a uma comunidade. Ela gosta de entender as coisas. Aí os filhos foram crescendo, foram saindo. E ela decidiu voltar para o Japão. Em 1979, ela pegou a minha irmã caçula e foi embora. Quando meu pai viu que ela não voltaria mesmo para o Brasil, ele foi também. Eu acho que ele gostaria de ter ficado no Brasil. Acho até que ele ainda sonha um dia em voltar pra cá.

Depoimento ao jornalista Xavier Bartaburu
Fotos: Carlos Villalba e arquivo pessoal de Naomi Munakata


Enviada em: 05/03/2008 | Última modificação: 05/03/2008
 
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Comentários

  1. tatsue @ 9 Mar, 2008 : 20:03
    Naomi, adorei a sua história. Vc. é uma batalhadora, cheia de garra. Eu tbem penso como vc, a respeito do Brasil e Japão. Por coincidência, tbem sou de Hiroshima, chegamos ao Brasil em abril de l959, no mesmo navio "Chisadane".

  2. Toshio Icizuca @ 29 Abr, 2008 : 00:43
    Conheci seu pai, pastor Munakata, em 1957, quando frequentava a Igreja Sulamericana, em São Paulo. Sempre desconfiei que você era filha do pastor. Hoje, sou engenheiro aposentado e moro em Piracicaba. Sou articulista do Jornal de Piracicaba e outros jornais e revistas. Também tenho site publicado, pois meu filho é o produtor deste site.Meus parabens pelo seu trabalho à frente da sinfônica!

  3. rachel @ 30 Ago, 2008 : 21:21
    assisti você agora mesmo no Masters. Adorei vê-la expressar-se. Adoro os japoneses. Seus olhinhos pequenos , seus cabelos pretos. Tudo que fazem, fazem bem. E você não seria exceção. Você é maravilhosa. Eu sou clara, olhos azul-escuro, nascida em Florianópolis/SC, tendo morado muitos anos em Porto Alegre onde me formei, infelizmente não em música. Amo a música. Toco violão desde criança. estudei quatro anos de piano. Mas o ciolão gritou mais alto no meu coração. Vivo e transpiro musica Naomi. E gostaria de ter sido uma arranjadora. Mas, achei você. Não fique tão só como disse. Não fique com a solidão. Quem sabe, podemos unir nossos silêncios. E, por falar em silêncios, suas mãos falam. Retorne, please! rachelecc@ibest.com.br

  4. Flávio Daruz @ 30 Ago, 2008 : 21:44
    As minhas experiências, como descrevi em minha página, foram mais ou menos o inverso das suas: um brasileiro que ajaponezou um pouquinho. Ainda sim, pude me identificar muito com algumas das coisas que você escreveu. Muito legal! Um abraço.

  5. fabio @ 19 Set, 2008 : 11:10
    como dizer em japoneis so vc mora no meu coração

  6. Ivan Tadeu Couto Rojas @ 10 Jun, 2009 : 04:06
    Prezada profa. Naomi. Meu nome é Ivan Rojas, sou Mestre em Psicologia Clínica e especialista em Filosofia pela PUC-SP. Gosto muito de seu trabalho na Cultura fm. Vc tem uma grande vocação para a música sacra e sua voz e muito charmosa. Aceite meus cumprimentos. Com estima Prof. Ivan Tadeu Couto Rojas

  7. Marcos N. Salmeron @ 28 Set, 2009 : 13:43
    Fui aluno de Naomi no Conservatório Municipal de São Paulo, e me encantei com seu profissionalismo e entendimento sobre a vida e ao ensino como um todo. Acabei seguindo a carreira de médico e desisti da música, mas segue comigo os ensinamentos da minha querida professora de música. Parabéns. PS: quando dá sempre te escuto na Cultura FM. caso alguém leia, se puder, repassar meu e-mail para ela, pois gostaria de revê-la: mnsalmeron@hotmail.com

  8. Joel R de Mello @ 28 Set, 2009 : 16:38
    Naomi, estava procurando por seu irmao Kazumi que foi meu colega no primario, na saudosa escola Americana de Mirandopolis, Que saudades. Hoje sou Médico e gostaria de ter contato com Vcs. ABS Joel

  9. Joel @ 28 Set, 2009 : 16:40
    Meu e - mail joelrmello@yahoo.com.br

  10. Joel @ 28 Set, 2009 : 16:40
    Meu e - mail joelrmello@yahoo.com.br

  11. Marcos Nozomi @ 15 Out, 2009 : 09:36
    Tenho que agradecer muito os meus Pais, por ter uma irma tao maravilhosa. Te adoro muito!! do seu irmao do Japao:Marcos Nozomi

  12. Ricardo Brandão @ 22 Jul, 2010 : 05:29
    Oi Naomi, Por gentileza, como se chama o estilo de Canto Coral da música de Franz Liszt – de a Sinfonia Dante - que a Rádio Cultura FM tocou aproximadamente às 11h45 da amanhã do dia 21/07? Por favor, você poderia me passar uma lista de músicas e seus respectivos autores deste estilo de Canto Coral e onde posso encontrar cds para comprar ou músicas para baixar? E se existe algum lugar onde eu possa assistir este estilo de Canto Coral. É um estilo de canto coral e música bem suave. Parabéns pelo trabalho realizado através do Programa Vozes da rádio CULTURA FM. Aguardo retorno. Obrigado ricardobrandaosp@yahoo.com.br ricardo.souza@astrazeneca.com

  13. Kazumi @ 10 Set, 2010 : 14:38
    Ei Naomi. O seu depoimento é comovente. Legal essa história das mãos. Valeu!

  14. marina canto @ 7 Jan, 2012 : 15:38
    devemos ser colegas. meu irmão Alberto e eu tambem estudamos na escola americana de mirandopolis. um abraço

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