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Takeshi Misumi

São Paulo / SP - Brasil
77 anos, Administrador de Empresas e Contador

Conversando através do coração


“Tio, fala pro Di-tian que agradeço muito por tudo que ele me ensinou. Peça para ele ensinar para a Naomi, tudo que ele ensinou pra mim”.
Pausadamente e bem próximo ao ouvido dele, falei em japonês o que o meu sobrinho Eduardo tinha pedido para transmitir. Apesar da péssima tradução, creio que ele entendeu, pois vi uma gota de lágrima escorrer por um dos lados do rosto. De tanto sofrer por longos três meses de internação, sem poder falar, ele já não tinha lágrimas para derramar. Di-tian Tadahide estava na cama hospitalar com os braços amarrados, com sonda no nariz e entubado na boca. Estávamos na UTI do hospital, para uma visita de alguns minutos. Di-tian Tadahide estava agonizante, creio que sob efeito de sedativo. Nas bordas da língua, dezenas de pontinhos pretos – nunca tive coragem de perguntar aos médicos ou enfermeiros o que era aquilo, mas creio que eram as inúmeras bactérias que se instalaram no corpo dele. Apesar de magérrimo, as pernas dele estavam inchadas. Pior: as coxas pareciam bexigas cheias d’água. Na semana seguinte o Di-tian Tadahide falecia com 91 anos.
Naomi é minha neta, primeira e única bisneta que Di-tian viu. Nasceu no mesmo hospital onde ele esteve internado por longos e agonizantes três meses. Ela nasceu no 8º andar, ele internado no 3º andar. Ainda lúcido pôde ver a bisneta, pegá-la no colo. Um mês após o nascimento da Naomi, ele falecia no mesmo hospital.
Eduardo, jovem com trinta e poucos anos, é filho da minha irmã Hideko, neto mais velho do Di-tian. Como conseqüência dos caprichos do destino, ele teve uma convivência próxima do Di-tian. Acompanhou juntamente com a mãe e irmãs, o Di-tian em muitas viagens. Freqüentou muito a casa dos avós. Essa freqüência diminuiu após atingir a adolescência, mas sempre que possível estava na casa do Di-tian. No período em que o avô estava no quarto do hospital, Eduardo passou várias noites em claro atento a qualquer movimento do doente. Di-tian sofria muito com as doenças que o atacaram. O pior era a alergia que o incomodava incessantemente. Parecia que de noite a coceira era mais intensa. Pedia para passar remédio que após algum tempo já não surtia efeito. Daí, pedia para passar pano úmido nas costas, nos braços, nas pernas, enfim no corpo todo.
Após transmitir ao meu pai, o pedido de meu sobrinho, fiquei a pensar na grandeza de espírito daquele recado. Creio que meu pai deve ter pensado a mesma coisa. A gotícula de lágrima que ele derramou confirmou essa dedução. O gesto demonstrou a satisfação dele em sentir-se vitorioso na longa caminhada da vida educando os filhos, e mais, ajudando os filhos a educar os netos. Ouvir da boca de um dos netos, pedindo para que ele continue ensinando as gerações seguintes, no caso a bisneta, é mais do que um reconhecimento do sucesso de sua empreitada, acima de tudo como educador.
Após três anos do falecimento do Di-tian, encontro com o Eduardo. No decorrer de uma conversa descontraída, ele começa a ressaltar o quanto o Di-tian foi importante no crescimento dele, Eduardo. Com muita exaltação, exemplificou as várias lições de vida que recebeu do avô.
Porém, o Eduardo é sansei que mal entende o japonês. O conhecimento dele do idioma japonês não é muito diferente de muitos não descendentes. O avô não era fluente em português. Como se explica este perfeito entendimento do mestre com o discípulo? Tanto o Di-tian como o neto Eduardo conversaram através do coração!

20080511


Enviada em: 01/07/2008 | Última modificação: 01/07/2008
 
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Comentários

  1. Cristiane Y Nakata (ex-escoteira falcão) @ 17 Jul, 2008 : 20:00
    Oi Takeshi! É a Cristiane... lembra de mim? Admiro a educação que dá para sua família... Abraços! Cris.

  2. Denise Misumi @ 30 Jul, 2008 : 00:42
    Tio, muito lindas as suas histórias! Nao consegui conter as lágrimas lendo "Conversando através do coração". Ainda me emociono relendo-a. Já pensou em fazer um livro contando essas e mais histórias?? Abraços, Denise

  3. Takeshi Misumi @ 3 Ago, 2008 : 18:08
    Denise, obrigadão pelos comentários. Fiquei muito satisfeito e feliz em saber que você se sensibilizou com os meus relatos. Aliás, o meu propósito em me expor neste espaço aberto pela Editora Abril foi tão-somente de tentar sensibilizar os descendentes, principalmente os jovens como você, sobre o sofrimento que os imigrantes passaram. Muito do que nós usufruimos hoje foi graças a eles. Todo o passado vivido e sofrido por eles não pode cair no esquecimento. Cumpre a cada um de nós desempenhar o papel que nos cabe. Quem, no presente, souber reconhecer o passado, saberá construir um futuro melhor. Quanto ao livro, até pensei no assunto. Mas, é um projeto muito grandioso para mim. Não sei se teria condições de realizar este sonho. Acredito que essa tarefa seria mais fácil, se for possível contar com a ajuda de outras pessoas. Abração.

  4. Julio Misumi @ 11 Set, 2008 : 19:11
    Oi Takeshi. Li o relato da mesa, em cima dela na chacara. Ao ler aqui, me emociona saber que ela passou por muitos momentos com a familia, bem antes de nascermos. Quantas conversas e refeições foram feitas nela, por nossos avós e seus filhos (nosso pais)? Quanta utilidade para varias gerações? Ela faz parte da familia e suas cicatrizes foram feitas por alguém da familia em algum momento. Representa bem o passado sofrido e a determinação que nossos antepassados tiveram, para que as futuras gerações (nós e nossos filhos) pudessemos ter uma vida melhor que eles. Obrigado pelo que voce faz pela familia e no que eu puder ajudar, conte comigo. Um abraço

  5. Filhos da Satiko @ 14 Dez, 2008 : 23:47
    Oi Tio, Que legal...Sim, ela tinha olhos grandes e um sorriso radiante, característica marcante dela...Ela era linda e foi uma mãe perfeita pra nós. Agradecemos a mensagem e tudo que vc e a tia fizeram por ela e por nós. Um beijão. Duda, Thie, Fabio e Livia

  6. mario katsuhiko kimura @ 14 Fev, 2009 : 15:48
    Sr. Takeshi, Sou leitor das historias contadas neste Site e agora sou também seu fã. O Sr. deveria ser contador de historia e não contador/administrador. A sua maneira de escrever, contar historia da família através da historia da mesa é de altíssima criatividade, mostrando ser uma pessoa erudita, sábia e inteligente. Acredito ter herdado os valores do seu falecido avô. Como disse um dos entes da família no comentário, o senhor deveria escrever livros. Parabéns e continue a escrever para todos nós. Grande abraço

  7. Julio Misumi @ 31 Mar, 2009 : 13:10
    Oi Takeshi. Eu acho que fui ao casamento da Tia Katsuko e poucas vezes a vi depois disso. Me lembro que durante muitos tempo meus foram iam a Jales visita-la. E tenho certeza que ela desafiou e venceu a morte por dezessete anos, pois meus pais diziam que ela os reconhecia a cada visita. Obrigado sempre e um abraço.

  8. Silvio Sano @ 1 Abr, 2009 : 02:38
    Prezado Takeshi, Depois de muito tempo sem abrir este site para ler as histórias dos colegas, "hisashiburini", fi-lo, tarde da noite de ontem, atraído por um leitor seu fora da família (o Mário Kimura, aí, logo acima). Daí, comecei pela leitura da Tia Katsuko. Contente pelo que fui contemplado, prossegui com as demais, debaixo para cima, porque sabia que a seqüência seria essa. A forma como as narra é muito interessante porque torna universais mesmo os seus mais íntimos personagens. Daí porque "tocou" ao Mário, a mim e, com certeza, a todos os que as lerem (não apenas parentes ou pessoas de seu círculo). Em alguns momentos também me emocionei e, por isso achei que não seria o momento adequado para deixar aqui o meu comentário. Conclui que seria injusto com vc, e que deveria fazê-lo sem que me deixasse levar pela emoção. Algo verdadeiramente sincero. Ou seja, para que o tamanho da satisfação que eu demonstrasse não fosse considerada exagerada devido a isso. Assim, aguardando, até este momento, de "cabeça fria", mas garantindo que a emoção pela leitura ainda permanece viva em mim, cumprimento-o principalmente pela sensibilidade e percepção em relação a outrem, que o levaram também a "conversar através do coração", e de forma a "tocar o fundo da alma" de seus leitores. Parabéns e um grande abraço.

  9. Silvio Sano @ 7 Abr, 2009 : 00:37
    Prezado Takeshi, O jeito que vc exagerou nos elogios, na verdade, só veio comprovar para mim, o quão criativo é para escrever textos (rsrs). Mas, agradeço pela parte não exagerada, que sei, foi sincera. E não apenas o parabenizo por suas virtudes, como, pela citação ao Mário Tomita, acabei ligando para ele, a fim de saber um pouco mais sobre a sua pessoa, mas sugerindo-lhe também para que publique algumas coisas suas no jornal. Ele concordou afirmando que, sendo pra vc, um dos primeiros assinantes dele, o faria com imenso prazer. Que tal atendê-lo então com um artigo, ou uma crônica, esporadicamente... pra começar? Não apenas ele, mas, nós também, leitores, ficaremos muito felizes. Yoroshikune. Abs.

  10. Edson Correa Porto @ 9 Abr, 2009 : 00:36
    E eu que pensei que vc só escrevesse relatórios; parabéns pela sensibilidade; vc sempre surpreendendo. Abraço

  11. Mario Katsuhiko Kimura @ 17 Jun, 2009 : 23:43
    Sr. Takeshi, Só o senhor consegue prestar homenagem aos idosos na forma acima transcrita. Isso mostra a sua grandeza, de ser uma pessoa culta, iluminada. Obrigado por proporcionar a este leitor o prazer de ler, sentir e também emocionar. Grande abraço

  12. Takeshi Misumi @ 16 Mar, 2010 : 07:51
    Teste

  13. Silvio Sano @ 16 Mar, 2010 : 09:34
    Olá, Takeshi-san. Bondade sua. Eu é que fiquei muito feliz com a sua presença e, bem como com a de sua esposa. E ainda bem que o Mário estava lá, né. Bom, aproveito para te solicitar para que veja como será o próximo livro. Link em http://www.youtube.com/watch?v=OfULKT3Beqk A propósito, conhece o Nikkeypedia? Lá vc tb poderá colocar a sua, de seus pais, avós e amigos, histórias. A minha está em http://www.nikkeypedia.org.br/index.php/Silvio_Sano

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