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Roza Nagako Yamauchi

São Paulo / S.P. - Brasil
82 anos, Cabeleireira

VERDADEIROS HERÓIS


YAMAUCHI SEIZOKO & YAMAUCHI HARU - VERDADEIROS HERÓIS

A alegria de participarem das comemorações do centenário da imigração japonesa no Brasil ficou apenas em sonho de Okassan e Otossan. A narrativa que se segue é uma viva recordação e uma singela homenagem aos verdadeiros heróis.
Dezembro de 1932, numa viagem de três meses de navio, meus pais, ambos com 21 anos de idade, desembarcaram em Santos – S.P., numa terra desconhecida, sem saber o idioma, com o sonho de trabalhar no máximo 10 anos, ganhar dinheiro e voltar à terra natal – Okinawa – Japão.
Ela grávida de sete meses do 1º filho, foi morar em Boqueirão, nos arredores de Santos. Vendia de porta em porta as verduras e legumes que plantavam.
Em Santos nasceram Nissan Alcides, Nessan Vilma e Hélio Yoshiaki.
No ano de 1937 foram morar em Bauru, interior de S.P., como colonos numa fazenda. Ali nasceram Hideaki e Tetsuko.
Com todas as dificuldades enfrentadas pela falta de dinheiro era inevitável a contração de doenças. Tetsuko, bebê de meses, foi alvo de uma moléstia desconhecida pelos médicos. Seu quadro cada dia pior desgastava ainda mais as esperanças da família.
Otossan trouxe consigo do Japão um livro de Medicina, no qual pesquisou todos os sintomas que a doença causara em Tetsuko e voltando-se ao médico disse: - Ao que tudo indica, Tetsuko está com Tifo, uma doença infecciosa muito rara. -O médico então, confiando em sua palavra aplicou uma injeção, e para o alívio de todos, houve uma melhora significativa.
Embora Otossan tivesse que vender o cavalo que era seu principal instrumento de trabalho na roça para locomoção com a finalidade de pagar os gastos médicos, fica a certeza de que este sacrifício fora compensado por ter sua filha sã novamente.
Em muitas outras ocasiões o livro fora usado. Otossan, sempre que necessário, estudava-o para informar ao médico sobre a doença contraída. Assim, todos os 12 filhos puderam crescer saudáveis.
Ao início da 2ª Guerra Mundial (1939) as coisas foram ficando mais difíceis para os imigrantes japoneses. Nessa época com cinco filhos pequenos, Otossan deixou de ser colono para ser “meieiro” em Garça – S.P. numa terra arrendada (este nome vem de “meio/metade”, parcela da produção destinada ao dono do Sítio).
No ano de 1941 em que eu, Roza, nasci a colheita foi abundante: milho, algodão, feijão e arroz renderam um significativo dinheiro investido em um Sítio de cinco alqueires em Tupã – S.P.. Terra de mata virgem que deveria ser desmatada para o plantio de café.
Nosso lar, agora com 8 pessoas, se acomodava numa modesta casa de sapê. As paredes de coqueiro deixavam frestas e por mais que Otossan colasse folhas de jornal os gelados ventos de inverno ainda encontravam passagem. Talvez os pequenos furos feitos no jornal pelas crianças colaboravam para isso, mas era por onde se tinha o cenário perfeito para ouvir as histórias e lendas do Japão. Enquanto Otossan as contavam a Lua iluminava solitária com exclusividade para nós. Sem contar os vaga-lumes que piscavam e brilhavam enfeitando as noites como uma dança. Encontrávamos descanso em colchões de palha de milho confeccionados carinhosamente por Okassan.
Otossan se dedicava em ensinar a ler e a escrever o idioma japonês, pois sua intenção sempre foi de retornar com a família à terra natal.
Fazia parte de toda família japonesa ser patriota e adorar o imperador HIROHITO e a imperatriz. Ter o quadro deles na sala era algo muito natural. Todos os anos no OSHIOGATSU (1º de janeiro) tradicionalmente a família inteira em posição de soldados fazia reverência em direção ao Sol e entoava o Hino do Japão. O Sol como belo representante do país parecia brilhar ainda mais. O TENTIOSSETSU (29 de abril) de igual importância por ser o aniversário do imperador, era comemorado com AKAI GOHAN como se fosse membro da própria família.
Por tudo isso, Otossan, como muitos, acreditava piamente na vitória de seu país.
Com a derrota do Japão na 2ª Guerra os costumes até ali mantidos foram se perdendo e aos poucos morrendo. E o sonho de retornar ao Japão fora então, enterrado com muita resistência.
Nossa família, como outra de descendência nipônica, era constantemente alvo de piadas e gozações. Se a cultura já não permitia muitos relacionamentos, nós nos tornamos ainda mais fechados. E também, mais esforçados para sermos os melhores. Acredito que se os tempos fossem os de hoje, certamente a televisão, computador e internet, adventos da globalização amenizariam a discriminação. Mas talvez tivéssemos que passar por tudo isso para que hoje a perseverança e esforço fossem os símbolos de nossa história.
As crianças por sua ingenuidade mantinham o lar sempre alegre, contrastando as circunstâncias.
Em Tupã nasceu Teresa, Yolanda e Deodoro.
Mesmo a plantação de café prosperando, em 1949 Otossan resolveu vender o Sítio para mudar-se para uma chácara perto de uma escola em Ourinhos. Nasceu Matilde.
Otossan viajava de carroça até a cidade para vender as verduras e legumes que plantavam. Após um ano de muito esforço conseguiu comprar uma caminhonete Ford F-100.
Em julho de 1951 a mudança foi para a cidade de Cambará – PR, onde nasceu Luís. Otossan abriu uma quitanda que era abastecida por mercadorias de chácaras vizinhas e transportadas pela caminhonete.
Empreendedor de natureza, Otossan não se contentava com pouco, queria sempre ir além, ter novas conquistas e melhorar as condições de vida de sua família. Essa ambição o levou a vender o comércio ainda próspero e tentar vida em outra cidade.
Final de 1952 a família Yamauchi, já com 13 integrantes se instala num pequeno município próspero pelas muitas plantações de arroz, milho e café, de nome Rondon – PR.
Otossan estabeleceu uma “máquina de beneficiar arroz” e um “moinho de fubá” o que permitiu a aquisição de um caminhão FORD F-600 e de um jipe Toyota.
Em 1956 nasce a 12ª filha, a caçula Alice.
Todos esses esforços renderam não somente mais tranqüilidade para a família, como também viabilizou a concretização do sonho outrora enterrado. Passados 30 anos, em 1962 Otossan retorna ao Japão para rever os queridos irmãos e sua saudosa terra natal. Infelizmente seus pais não puderam esperar por este reencontro.
Okassan não o acompanha, pois Buenos Aires - Argentina era seu destino. Seu pai Zenkiti Onaha e suas duas irmãs, Sada Onaha Yara e Sato Onaha Inafuku as aguardavam ansiosamente há exatos 30 anos. O reencontro deve ter rendido muitas lágrimas e histórias. Pena que sua mãe já havia falecido nesta época.
Otossan comprou uma casa em Santo André – SP em 1969. Cidade onde seu único irmão (no Brasil), Seiten Yamauti residia (veio a falecer em 2001).
Com praticamente todos seus filhos casados começou a se dedicar mais ao lazer. Eram assíduos freqüentadores do clube Okinawa Kendin Kai do bairro de Santa Maria - São Caetano, onde inclusive foram presidentes de clube e Fujinkai.
Otossan com suas habilidades na arte musical contemplou o clube com um Hino de sua autoria.
Ambos gostavam de festas e ficavam alegres de ver a casa cheia. Aos domingos todos os filhos e netos se reuniam.
Em 1984, um ano após a morte de Nissan Alcides com 49 anos, Okassan veio a falecer aos 73 anos.
Mesmo assim, todos continuavam dominicalmente se encontrando.
Em 1989, assim que Otossan adoeceu, pediu aos filhos que continuassem se reunindo mesmo sem sua presença, para assim manter fortes os laços familiares. Ressaltou a grande importância da família para os que vivem na correria da cidade grande.
Hoje, perto de completar duas décadas sem Otossan, os filhos continuam se reunindo mensalmente fazendo Tanomoshi, jogando bingo, cantando karaokê e festejando os aniversariantes. Perpetuando de forma muito alegre a união da família.
Somos em 82 pessoas entre filhos, sobrinhos, genros e noras, netos e bisnetos de SEIZOKU YAMAUCHI E HARU YAMAUCHI.
E é com muito orgulho e gratidão que guardamos em nossos corações a determinação, a dedicação, a coragem e o amor com que viveram e que nos puderam ensinar.
Conforme estudos sobre a árvore genealógica da família, somos descendentes de Gosamaru, o herói lendário que construiu o Castelo de Nakagusuku em 1454. Segundo o autor do livro “Okinawa – Histórias, tradições e lendas” Shosei Miyagui, este castelo é ainda hoje admirado pelo seu imponente portal de pedras.
Nós, os descendentes, sentimos muito honrados pela grandiosidade e heroísmo dos nossos ancestrais e queremos continuar reverenciando e cultuando os seus ideais.

Roza Nagako Yamauchi


Enviada em: 27/05/2008 | Última modificação: 27/05/2008
 

 

Comentários

  1. Mauro Kyotoku @ 29 Mai, 2008 : 04:25
    Sra. Yamauchi - Parabens pela história de seus pais e a sua família. Deve ser muito bom estar no meio de tantos parentes. Mas um detalhe de sua história me interessou, o TANOMOSHI. Entendo que o Tanamoshi é uma espécie de ajuda mútua, mas sem o paternalismo. Se fôr possível gostaria que você mostrasse como isso é feito na sua família, pois acredito que é um exemplo para todos nós. Mauro Kyotoku

  2. Matilde @ 29 Mai, 2008 : 20:19
    Foi realmente uma vida de muita luta e perseverança, me emocionou muito. Parabéns! Beijos

  3. Rita de Cássia Arruda @ 31 Mai, 2008 : 04:07
    Cara Roza: Adorei ler seu depoimento. Muito bonita a história de sua família. Seu pai deve ter sido mesmo um sujeito admirável. Li outros relatos, aqui no site da Editora Abril, e aprendi coisas maravilhosas sobre o povo de Okinawa. Quero crer que, no fundo, seu pai bem queria manter vivo o decantado "espírito uchinanchu" e acho mesmo que conseguiu seu intento. Creio que os encontros dominicais são uma prova disso. Parabéns !!! Um abraço.

  4. Luci Suzuki @ 31 Mai, 2008 : 12:47
    Sra. Roza, lí o seu relato com grande interesse, e confesso, com grande comoção pelo sentimento paterno, com o qual seu pai se apoiou no livro de Medicina, e a sábia percepção de sua necessidade ao tê-lo trazido consigo do Japão. Um relato que me faz sentir pequena, ao lembrar que nascí na década de 60, qdo as dores de privações materiais e a própria condição social dos imigrantes eram, em grande parte, superadas. Me chamou muita atenção no relato os pronomes de tratamento, ao atribuir a seus familiares pronomes como Otossan, Okassan, Nissan e Nessan. Me bastou este detalhe para comprovar o que a cultura okinawana possui de mais precioso: o vínculo familiar e a eterna alegria. Meus amigos Oshiro, Kanashiro, Miyagui e Takaesu nunca desmentiram. Um grande abraço, Luci

  5. aquileuabadin@hotmail.com @ 7 Jun, 2008 : 16:48
    A sua história é emocionante. É tão bom saber que o vínculo famíliar é importante na construção do caráter das pessoas. PARABÉNS !

  6. ruteluizaktz@hotmail.com @ 15 Jun, 2008 : 17:11
    Roza, quanta emoção ao ler sua historia, tão linda,quanta luta e quantas conquistas. Emoção em dobro por ter convivido com esta familia tão linda, em Rondon, sinto muitas saudades. estou feliz por encontra-los Que Deus abençõe a todos Rute Luiza Kuntze

  7. nelsonsinzato@beturbo.com.br @ 2 Jul, 2008 : 12:10
    Sra. Roza, parabéns pela história da sua família. Noto que você, ao narrar, colocou toda sua emoção e todo seu coração. Sou utinanchu de terceira geração. Minha mãe, atualmente com 86 anos, mas, graças a Deus, ainda com muita saúde, também se chama Rosa. Você cita as cidades de Bauru e Tupã, por onde passou sua família. Meus pais nasceram em Bauru e depois mudaram para Tupã, no distrito de Parnazo. Vendo, no seu relato, você falar do tentiossetsu lembro que meu pai participava no Kaikan, na zona rural de Dracena, SP, na Associação denominada Showa, onde ele ia de paletó e gravata e cada presente levava um prato de doces e salgados. No oshiogatsu, na minha infância eu ia no Kaikan. Diante das bandeiras do Brasil e do Japão a gente cantava o Kimigaió e depois ganhávamos um pacote de sembei e uma garrafa de guaraná quente. Na época lá não havia geladeira, mas a gente tomava aquele guaraná quente com enorme prazer. Enfim, agora saudosas recodações. arigatô pela atenção.

  8. Luiz Yamauti @ 19 Jul, 2009 : 07:04
    Olá, prima Rosa, parabéns é realmente emocionante obrigado pela lebrança do meu pai Seitem Yamauchi, me lembro muito bem, quando o seu pai e o Alcides vinham para o sítio em Cambará, com o jipe Toyata ou o F-600, nós ficavamos ansiosos com a chegada do Ojissan e Nissan do RONDON. Beijos

  9. Tatiane Akeny Yamauchi @ 8 Jun, 2010 : 10:13
    Adorei o depoimento...Sou Yamauchi também, mais acho que nao é a mesma família, nao sei muito bem a hitoria da minha família, sei qe ja moraram em Cambará, Ivaiporã, Londrinha, no Paraná, antes de virem a São Paulo, meus obatians se chamavam Satiko Yamauchi e Oshei Yamauchi ambos ja falecido, tive contato com eles só até os 7 anos, por ironia do destino tivemos que manter distancia, sinto saudades... Mais Parabéns pela história de voces *-*

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