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Takeko Ishida

São Paulo
108 anos, Dona-de-casa

Reorganizando a vida


Como meu marido só ficava em casa 68 dias por ano por causa das viagens, eu tinha que desempenhar nessa ocasião também o papel de pai das três filhas e de um filho, cuidando sozinha da educação e sustento deles. Financeiramente era necessário, além disso, pagar os estudos das crianças e remeter uma determinada quantia aos meus sogros idosos do Japão. Para tanto, a renda de meu marido era insuficiente.

Como não tinha aprendido nenhum ofício, depois de muito pensar ocorreu-me a idéia de abrir uma pensão para cuidar de moças do interior que vinham estudar em São Paulo. Logo me mudei para um local perto de escolas e inaugurei em casa o “Lar das Estudantes”. Nessa época, poucos eram os lugares onde os pais pudessem confiar as filhas, que, após terminarem o curso ginasial no interior, vinham para a cidade continuar os estudos colegiais ou universitários**(N.T.). Havia em geral 17 ou 18 estudantes nisseis e eu cuidava naturalmente da alimentação e acomodação delas, comunicando aos pais os gastos pessoais de cada uma. Até me pediam para tomar conta das moças que estavam em idade de saírem com rapazes. De manhã bem cedo, ia ao mercado fazer as compras do dia e passava quase todo o resto do dia na cozinha. No entanto, esses dias vividos com as jovens estudantes me deixaram inúmeras recordações felizes.

Graças a Deus, a pensão ia bem e, nesse ínterim, a minha filha mais velha entrou na Escola Normal e a segunda conseguiu ingressar na Faculdade de Farmácia. Por outro lado, já fazia 14 anos que vínhamos enviando uma pequena soma aos meus sogros em sua terra natal. O sonho dos velhos era retornar ao Brasil onde moravam os filhos. Lamento muito ainda hoje que eles tenham partido deste mundo sem que tivéssemos podido arrumar o dinheiro das passagens para poder chamá-los.

Por outro lado, há 35 anos, faleceram também a minha mãe e minha irmã, que por toda a vida se preocuparam comigo. Após cinco anos desde a instalação da pensão, nossa vida melhorara um pouco e então consegui ter em mãos a revista “Fujin no Tomo”, que eu desejava há muito e do qual minha irmã era leitora assídua. E com a apresentação da minha amiga Sra. Emiko Kurokawa, tornei-me sócia da “Tomo-no-Kai”. Cada vez que participava das reuniões, aprendia muitas coisas e as punha logo em prática em minha casa.

Minha filha mais velha, que um dia dissera não gostar dos japoneses, casou-se com um rapaz nissei Tadashi Tachibana; é mãe de dois filhos Alexandre e Humberto e com vinte e oito anos de magistério está para se aposentar dentro de dois anos. Minha segunda filha também se casou com um nissei Myaki Issao, tem três filhos Débora, Silvio e Flávio; por um tempo dedicou-se ao lar, e atualmente com 45 anos começou a trabalhar como farmacêutica num hospital. Meu filho Luiz formou-se em engenharia, casou-se com uma moça nissei Shizue (Cecília), é pai de dois filhos Edson e Ieda e trabalha como engenheiro numa indústria e à noite leciona numa faculdade dentro de sua especialidade. Minha filha caçula Nicia graduou-se em Serviço Social, casou-se com um rapaz brasileiro de origem dinamarquesa Humberto Jacobsen Teixeira, tem dois filhos Christian e Pollyana e trabalha em um órgão do Governo.

Há sete anos, quando todos os quatro filhos se casaram e se tornaram independentes, como “nunca é tarde para aprender”, meu marido começou a escrever poemas “Senryu” e eu, a freqüentar aulas de cerâmica. Porém, há três anos, de repente meu marido sofreu uma congestão cerebral. A conselho de meus filhos que acharam que não podíamos continuar a viver sozinhos, passamos a morar algum tempo com a nossa segunda filha e, no momento, estamos morando com a filha mais nova há 2 anos. Como o cunhado dela, Dr. Manoel, é médico neurologista, achamos que era mais conveniente para o meu marido e estamos aceitando com gratidão a bondade dos mais jovens.

Eu, que vim a esta terra há 50 anos, cheia de sonhos, não possuo nada do que sonhei, nem o cafezal a se perder de vista, nem a grande fazenda, absolutamente nada. Mas tenho os meus quatro filhos e suas famílias, que para mim são tesouros que valem muito mais. Passamos a semana quase sempre dentro de casa, mas nos finais de semana, os quatro filhos nos levam para pequenos passeios ou viagens de carro, revezando-se fazendo com que respiremos outros ares. Às vezes reunimo-nos todos na casa de um deles. É uma das minhas alegrias, passarmos o dia todo reunidos conversando. Meu marido Takeshi até parece esquecer-se de sua doença quando vê, feliz, os netos que brincam todo sujos de lama entre árvores frondosas do nosso pequeno sítio no Embu.

Agora transcorrido o longo meio século, recordo-me de tudo com saudades e penso que foi bom que minha vida tenha sido vivida desse modo. Bem ou mal, estamos criando nesta terra a raiz que aqui foi transplantada de um país distante chamado Japão. Quero render graças a Deus que dá o reconforto à nossa família.

**(N.T.) atual 1º., 2º. e 3º. grau do sistema educacional brasileiro.

Texto "Raiz Transplantada - A Noiva do Cafezal", publicado na revista japonesa "Fujin-no-Tomo" de maio de 1983, no aniversário de 50 anos de fundação da revista.

Traduzido por: Dra. Nina Mabuchi Miyaki
Nomes adicionados por: Luiz Hideo Ishida


Enviada em: 15/01/2008 | Última modificação: 17/01/2008
 
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Comentários

  1. Silvio Sano @ 15 Jan, 2008 : 17:17
    Takeko-san é uma mulher impressionante e de grande visão, conforme já ficou evidenciado quanto tinha apenas 18 anos e topou vir no lugar da irmã mais velha para ser esposa de Takeshi-san, mesmo tendo de dar a volta ao mundo para isso, naquela época. Tudo por sua curiosidade ilimitada somada à vontade de "matá-la" (a curiosidade). Isto é, realizá-la. O deslumbramento dela durante a viagem, pelas novidades que via e recebia é prova disso. A resposta ao futuro sogro, sobre a possibilidade de uma negativas do filho Takeshi, ainda no navio é outra prova. E a solução usada para sobreviver no período ausente do marido, ao inaugurar o Lar dos Estudantes foi apenas a consolidação de uma postura invejável. Parabéns, Takeko-san!

  2. Thomas Suzuki @ 16 Jan, 2008 : 19:55
    Miai, tradição japonesa, que causa espantos no Brasil... Há realmente lindas histórias de miai's no Brasil, nem todas, mas de qualquer jeito demonstram a força desse traço cultural dos japoneses. Belíssima narrativa, muito obrigado a senhora Ishida.

  3. Izabel Terumi Takata @ 17 Jan, 2008 : 20:29
    Takeko Ishidasan, Parabens pelo brilhante relato. Fiquei muito emocionada, já que muitas dessas passagens de sofrimento, são parecidas como as vividas por muitos outros imigrantes japoneses, inclusive conforme eram relatadas por meus pais. A sra. sem duvida, é uma grande vitoriosa. Parabens e felicidades.

  4. Cecilia Ishida @ 20 Jan, 2008 : 23:26
    Sou nora da da. Takeko, portanto suspeita em tecer elogios, mas se o fizer, eh com grande merecimento; creio mesmo que muitas noras ficariam com inveja...rs! Ela foi sempre um exemplo a ser seguido; como matriarca, administrou firmemente no intuito de conseguir a paz, a lealdade e uniao no seio da familia;deixa um legado: nunca deixar se dominar pela inveja, ciumes ou traiçoes, que soh servem para desuniao entre irmaos, filhos e netos. Uma certa vez, ela me contou que era entre outros tantos afazeres, o de cozinhar para numerosa familia, ainda com apenas 16 anos de idade, qdo veio para o Brasil; sempre, enquanto se ocupava fazendo as refeiçoes, jah ir pensando o que fazer para a proxima; entao, caminhando entre os arbustos da fazenda, encontrou um ovo de galinha; ficou contente, pois ajudaria a preparar um jantar um pouquinho melhor; mas o que fazer com um ovo soh para tantas pessoas...; teve uma ideia: levou o ovo para casa, quebrou-o numa tijela, bateu e colocou na panela de missoshiru, pois assim todos poderiam participar do sabor daquele unico ovo...! E assim vive ateh os dias de hoje com muito cuidado para nao ferir as pessoas e prezando para o bem estar de todos os seus descendentes.

  5. Sílvio Sano @ 21 Jan, 2008 : 08:43
    Impressionantes essas imagens mostradas na história de Takeko-san, mãe de Luiz Ishida! Como já afirmei no comentário ao Luiz, em sua história neste site, historiadores e pesquisadores de modo geral, procurando-o só terão a ganhar... inclusive o próprio, que também pretende conhecer mais a fundo, ainda, as próprias raízes.

  6. Mário Izumi Saito, 61 anos, engenheiro e geógrafo. @ 22 Jan, 2008 : 10:58
    A biografia da Sra. Takeko nos traz informações sobre costumes japoneses, embasada na cultura do país de origem. Uma lição de vida, de fé e de esperança, apesar das dificuldades de adaptação encontradas em um ambiente completamente diferente do país de origem. No depoimento da Sra. Takeko há fragmentos de frase muito interessante, no que diz respeito à educação dos filhos: “...nós, pais japoneses, devemos, em primeiro lugar, ser pessoas a quem eles (os filhos) pudessem amar e confiar integralmente ... a educação familiar é a própria conduta diária dos pais”. O espírito aventureiro e o desejo de conhecer outro lado do planeta foram um dos motivos principais que a trouxeram para o Brasil, sem que ela, ao menos, conhecesse o verdadeiro significado do casamento. A saudades dos pais e dos irmãos são marcantes em sua trajetória nas terras brasileiras. O terrorismo exercido por alguns compatriotas denominado “Shindo Renmei” foram muito cruéis com ela e seus familiares, chegando a exigir quantias em dinheiro, em troca da vida do seu marido, por estar na lista negra dos que seriam executados. Roque Tsuguo Nishida em seu artigo “A Influência do Nikkey nas Áreas do Comércio, da Indústria e de Serviços”, publicado no livro “O Nikkey no Brasil”, coordenado por Kiyoshi Harada, lançado recentemente, também relata outro fato lamentável ocorrido no seio da colônia japonesa, após o término da guerra. Diz ele: “Patrícios japoneses, aproveitando-se do desconhecimento e do nacionalismo exacerbado de alguns imigrantes, se apoderaram dos bens de seus antigos companheiros, comprando-os por preço irrisório, usando até dinheiro falso. Alguns enriqueceram dessa maneira, constituíram negócios e prosperaram no seio da colônia, trazendo com isso muito desconforto no seu meio”. As investidas sofridas pela Sra. Takeko e o fato citado pelo Roque Nishida, são fatos isolados e pontuais. Meu pai, um homem esclarecido, um estudioso em geografia, também foi alvo de investidas dos radicais da “Sindo Renmei”. Estava na lista dos que deveriam executados, chegando a receber duas cartas do comando da “Shindo Renmei” de Adamantina, carimbadas. Foram momentos terríveis, muito difíceis e de muito sofrimento para a minha mãe que precisava cuidar dos filhos pequenos e do pequeno armazém de secos e molhados que tínhamos em Flórida Paulista, na região da Alta Paulista, interior do Estado de São Paulo. É o lado triste da história dos imigrantes japoneses. Devo destacar, no entanto, que a atuação dos japoneses e seus descendentes, em sua maioria, nos diversos segmentos, foram pautados pela seriedade, honestidade, dedicação, competência e muito trabalho.

  7. Rachel Vaccari Vassão @ 24 Jan, 2008 : 15:56
    É evidente o sofrimento que os imigrantes japoneses passaram quando de sua vinda para o Brasil. Assim como eles, todos os imigrantes não foram bem recebidos no nosso país, e tiveram que suar muito, literalmente, para conseguir sobreviver e alcançar o sucesso que têm hoje em dia. Às vezes faço comparações a respeito dos imigrantes japoneses, alemães, italianos, árabes de um modo geral, com essas turbas de sem-terra que assolam o Brasil, saídos sabe-se lá de onde. Estes querem ganhar tudo e fazer nada, e acham que o governo é obrigado a dar-lhes. Bem se vê que não têm a menor cultura necessária, nem para explorar um pedaço de terra. Bem-vindos os japoneses, nos seus cem anos.

  8. José Geraldo Alves Andrade @ 24 Jan, 2008 : 18:52
    Como podem observar pelo meu nome, não sou descendente e muito menos japonês de origem. Porém convivo com este povo e seus descendentes já por mais ou menos 40 anos, tempo em que aprendi a gostar e respeitar a cultura destes. Acredito mesmo que, em espírito, possuo uma ascendencia nipônica. Meu contato deu-se pelo amor que cultivei pelo judô e fortalecido pelo trabalho que desempenhei na USIMINAS, siderúrgica mineira que, como é sabido, foi implantada com o apoio tecnológico e participação societária japonesa. Todo o resto foi consequencia destes dois fatos e hoje tenho minhas amizades quase que totalmente no seio da colônia radicada em Belo Horizonte, estado de Minas Gerais e sou muito considerado por eles. Alguns destes amigos quiseram mesmo que eu optasse por um esposa japonesa, em certo momento de minha vida, mas neste aspecto não os ouvi. Entretanto, todos os meus filhos frequentaram a colônia japonesa de Belo Horizonte, também lutaram judô e possuem amizades nela. Parabens à Senhora Takeko pelo exemplo que demonstrou neste seu relato e que só reforça a opção de vida que adotei. Ainda hoje, apesar de meus 61 anos de idade, frequento a colônia e levo comigo o meu filho caçula de 7 anos, também praticante deste esporte que representa bem a índole nipônica. Endosso ainda os comentários de Rachel Vaccari Vassão e imagino que, caso a imigração japonesa para o Brasil tivesse alcançado maior intensidade, seríamos hoje um povo inigualável em índole, tradição e cultura. Parabéns a todos os brasileiros descendentes da nação do sol nascente e sem dúvida estarei em minha cidade colaborando para os festejos destes 100 anos que agregaram à nossa pátria uma conformação cultural tão multi-racial.

  9. Laila @ 12 Abr, 2008 : 10:09
    isso é muito bom pois emcomtra tudo o que quer

  10. Rita de Cássia Arruda @ 3 Jun, 2008 : 13:17
    Prezada senhora Takeko: Seus relatos são realmente emocionantes. Resgatam um passado de muita luta e sofrimento mas também revelam seu lado de mulher guerreira; de muita fibra. Apesar de todas as dificuldades pelas quais passou, não perdeu a ternura nem se deixou abater pela tristeza. Sem dúvida, um exemplo e tanto de vida. Obrigada por dividir conosco suas memórias. Um abraço carinhoso.

  11. juliana @ 7 Mai, 2009 : 11:20
    eu gostei porque fala sobre a vida dos imigrantes que vinheram au brasil

  12. juliana @ 7 Mai, 2009 : 11:23
    eu gostei porque fala sobre a vida e obra dos imigrantes

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