Olá, faça o Login ou Cadastre-se

  Conte sua históriaTakeko Ishida › Minha história

Takeko Ishida

São Paulo
108 anos, Dona-de-casa

O japonês no exterior


Pouco tempo depois, irrompeu a segunda Grande Guerra Mundial. O Brasil tornou-se país inimigo do Japão. Meu sogro, que estava alistado como militar, era considerado um personagem perigoso ao governo brasileiro. Só de pensar que ele poderia ser preso a qualquer momento, nossos dias eram cheios de aflição.

Certo dia, alguém denunciou à polícia e três policiais vieram à nossa casa, ordenando: “entreguem-nos todos os objetos que estão escondidos no sótão”. Todos haviam saído nesse dia e comigo só estavam meus sogros e as duas crianças. Eu estava no último mês de gestação do terceiro filho e não havia como subir ao sótão para retirar as inúmeras medalhas e livros relacionados à vida militar do meu sogro. Vendo que não havia outro jeito, os policiais retiraram tudo reclamando. Depois da apreensão desse material, mandaram uma multa, ameaçando prender o meu sogro, se não pagássemos. Minhas duas meninas agarraram-se a mim olhando para os policiais. Desde esse contratempo, pareciam ter medo até de ir à escola.

Em 1943, meus sogros retornaram ao Japão no segundo navio de repatriação, o que nos deixou um pouco mais aliviados.

Logo depois, com o fim da guerra e a derrota do Japão, uma coisa inimaginável surgiu entre os japoneses residentes no Brasil: a questão de se o Japão “ganhou” ou “perdeu” a guerra. Assim, a colônia japonesa dividiu-se em duas facções antagônicas: uma que negava a derrota, chamada “kachi-gumi” e a outra que a reconhecia, a “make-gumi”. Ambas brigavam pelo mesmo amor à pátria. Meu marido estava sendo vigiado pelo grupo da Shindo-renmei (Federação de Súditos Fiéis), que era uma organização que defendia que o Japão era um país divino e jamais poderia perder uma guerra e matavam um a um os que diziam que o Japão havia sido derrotado, considerando-os traidores da pátria. *(N.T.)

Nessa época, meu marido viajava pelo interior para comprar produtos agrícolas. Geralmente ficava fora por um ou dois meses, voltava para ficar uma semana e partia novamente. Certo dia, justamente na sua ausência, um japonês que utilizava o nome da Shindo-renmei apareceu em casa dizendo: - “seu marido está na lista negra dos que serão assassinados”. Em seguida intimidou-me: “mas se a senhora me pagar 200 mil réis apagarei o nome dele da lista”. Essa quantia, na época, equivalia ao sustento de um mês da família. Mas, preocupada com a vida do meu marido, entreguei-lhe com o coração apertado, tudo que eu tinha. No entanto, passados alguns dias, chegou um outro homem, dizendo a mesma coisa. Enfim, quando surgiu uma terceira pessoa, sem querer, disse-lhe tremendo: “que japonês cruel! O Senhor já imaginou alguma vez como sua esposa se sentiria se estivesse no meu lugar, na sua ausência? Já imaginou? Eu acredito em Deus, confio a vida do meu marido nas mãos de Deus, pois não tenho mais um tostão para lhe dar!”.

Por incrível que pareça a partir desse dia ninguém mais veio nos ameaçar. Por causa desses incidentes, meus filhos ficaram com medo dos próprios japoneses e diziam: “lamentamos ter nascido filhos de japoneses. Não importa a cor da pele – branca ou negra -, simplesmente detesto japonês”. Fiquei muito preocupada, pensando em o que fazer para que meus filhos nascidos no Brasil pudessem compreender o verdadeiro povo japonês. Então vi que, antes de fazê-los compreender o povo japonês, nós, pais que somos japoneses, deveríamos, em primeiro lugar, ser pessoas a quem eles pudessem amar e confiar integralmente, pois a educação familiar é a própria conduta diária dos pais. “Depois que percebi isso, comecei a viver cada dia com extremo cuidado”.

*(N.T.) V. Fernando Morais, Corações sujos, São Paulo, Companhia das Letras, 2000 (Prêmio Jabuti) investiga a Shindô Remmei, ou Liga do Caminho dos Súditos, que acreditava, após o término da Segunda Guerra, na vitória japonesa. Seus seguidores - cerca de 80% da população japonesa em São Paulo - perseguiram os imigrantes que sabiam sobre a derrota do Japão. Entre janeiro de 1946 e fevereiro de 1947, mataram 23 imigrantes no estado de São Paulo.


Enviada em: 15/01/2008 | Última modificação: 17/01/2008
 
« Reorganizando a vida Mudança penosa para outra cidade »

 

Comentários

  1. Silvio Sano @ 15 Jan, 2008 : 17:17
    Takeko-san é uma mulher impressionante e de grande visão, conforme já ficou evidenciado quanto tinha apenas 18 anos e topou vir no lugar da irmã mais velha para ser esposa de Takeshi-san, mesmo tendo de dar a volta ao mundo para isso, naquela época. Tudo por sua curiosidade ilimitada somada à vontade de "matá-la" (a curiosidade). Isto é, realizá-la. O deslumbramento dela durante a viagem, pelas novidades que via e recebia é prova disso. A resposta ao futuro sogro, sobre a possibilidade de uma negativas do filho Takeshi, ainda no navio é outra prova. E a solução usada para sobreviver no período ausente do marido, ao inaugurar o Lar dos Estudantes foi apenas a consolidação de uma postura invejável. Parabéns, Takeko-san!

  2. Thomas Suzuki @ 16 Jan, 2008 : 19:55
    Miai, tradição japonesa, que causa espantos no Brasil... Há realmente lindas histórias de miai's no Brasil, nem todas, mas de qualquer jeito demonstram a força desse traço cultural dos japoneses. Belíssima narrativa, muito obrigado a senhora Ishida.

  3. Izabel Terumi Takata @ 17 Jan, 2008 : 20:29
    Takeko Ishidasan, Parabens pelo brilhante relato. Fiquei muito emocionada, já que muitas dessas passagens de sofrimento, são parecidas como as vividas por muitos outros imigrantes japoneses, inclusive conforme eram relatadas por meus pais. A sra. sem duvida, é uma grande vitoriosa. Parabens e felicidades.

  4. Cecilia Ishida @ 20 Jan, 2008 : 23:26
    Sou nora da da. Takeko, portanto suspeita em tecer elogios, mas se o fizer, eh com grande merecimento; creio mesmo que muitas noras ficariam com inveja...rs! Ela foi sempre um exemplo a ser seguido; como matriarca, administrou firmemente no intuito de conseguir a paz, a lealdade e uniao no seio da familia;deixa um legado: nunca deixar se dominar pela inveja, ciumes ou traiçoes, que soh servem para desuniao entre irmaos, filhos e netos. Uma certa vez, ela me contou que era entre outros tantos afazeres, o de cozinhar para numerosa familia, ainda com apenas 16 anos de idade, qdo veio para o Brasil; sempre, enquanto se ocupava fazendo as refeiçoes, jah ir pensando o que fazer para a proxima; entao, caminhando entre os arbustos da fazenda, encontrou um ovo de galinha; ficou contente, pois ajudaria a preparar um jantar um pouquinho melhor; mas o que fazer com um ovo soh para tantas pessoas...; teve uma ideia: levou o ovo para casa, quebrou-o numa tijela, bateu e colocou na panela de missoshiru, pois assim todos poderiam participar do sabor daquele unico ovo...! E assim vive ateh os dias de hoje com muito cuidado para nao ferir as pessoas e prezando para o bem estar de todos os seus descendentes.

  5. Sílvio Sano @ 21 Jan, 2008 : 08:43
    Impressionantes essas imagens mostradas na história de Takeko-san, mãe de Luiz Ishida! Como já afirmei no comentário ao Luiz, em sua história neste site, historiadores e pesquisadores de modo geral, procurando-o só terão a ganhar... inclusive o próprio, que também pretende conhecer mais a fundo, ainda, as próprias raízes.

  6. Mário Izumi Saito, 61 anos, engenheiro e geógrafo. @ 22 Jan, 2008 : 10:58
    A biografia da Sra. Takeko nos traz informações sobre costumes japoneses, embasada na cultura do país de origem. Uma lição de vida, de fé e de esperança, apesar das dificuldades de adaptação encontradas em um ambiente completamente diferente do país de origem. No depoimento da Sra. Takeko há fragmentos de frase muito interessante, no que diz respeito à educação dos filhos: “...nós, pais japoneses, devemos, em primeiro lugar, ser pessoas a quem eles (os filhos) pudessem amar e confiar integralmente ... a educação familiar é a própria conduta diária dos pais”. O espírito aventureiro e o desejo de conhecer outro lado do planeta foram um dos motivos principais que a trouxeram para o Brasil, sem que ela, ao menos, conhecesse o verdadeiro significado do casamento. A saudades dos pais e dos irmãos são marcantes em sua trajetória nas terras brasileiras. O terrorismo exercido por alguns compatriotas denominado “Shindo Renmei” foram muito cruéis com ela e seus familiares, chegando a exigir quantias em dinheiro, em troca da vida do seu marido, por estar na lista negra dos que seriam executados. Roque Tsuguo Nishida em seu artigo “A Influência do Nikkey nas Áreas do Comércio, da Indústria e de Serviços”, publicado no livro “O Nikkey no Brasil”, coordenado por Kiyoshi Harada, lançado recentemente, também relata outro fato lamentável ocorrido no seio da colônia japonesa, após o término da guerra. Diz ele: “Patrícios japoneses, aproveitando-se do desconhecimento e do nacionalismo exacerbado de alguns imigrantes, se apoderaram dos bens de seus antigos companheiros, comprando-os por preço irrisório, usando até dinheiro falso. Alguns enriqueceram dessa maneira, constituíram negócios e prosperaram no seio da colônia, trazendo com isso muito desconforto no seu meio”. As investidas sofridas pela Sra. Takeko e o fato citado pelo Roque Nishida, são fatos isolados e pontuais. Meu pai, um homem esclarecido, um estudioso em geografia, também foi alvo de investidas dos radicais da “Sindo Renmei”. Estava na lista dos que deveriam executados, chegando a receber duas cartas do comando da “Shindo Renmei” de Adamantina, carimbadas. Foram momentos terríveis, muito difíceis e de muito sofrimento para a minha mãe que precisava cuidar dos filhos pequenos e do pequeno armazém de secos e molhados que tínhamos em Flórida Paulista, na região da Alta Paulista, interior do Estado de São Paulo. É o lado triste da história dos imigrantes japoneses. Devo destacar, no entanto, que a atuação dos japoneses e seus descendentes, em sua maioria, nos diversos segmentos, foram pautados pela seriedade, honestidade, dedicação, competência e muito trabalho.

  7. Rachel Vaccari Vassão @ 24 Jan, 2008 : 15:56
    É evidente o sofrimento que os imigrantes japoneses passaram quando de sua vinda para o Brasil. Assim como eles, todos os imigrantes não foram bem recebidos no nosso país, e tiveram que suar muito, literalmente, para conseguir sobreviver e alcançar o sucesso que têm hoje em dia. Às vezes faço comparações a respeito dos imigrantes japoneses, alemães, italianos, árabes de um modo geral, com essas turbas de sem-terra que assolam o Brasil, saídos sabe-se lá de onde. Estes querem ganhar tudo e fazer nada, e acham que o governo é obrigado a dar-lhes. Bem se vê que não têm a menor cultura necessária, nem para explorar um pedaço de terra. Bem-vindos os japoneses, nos seus cem anos.

  8. José Geraldo Alves Andrade @ 24 Jan, 2008 : 18:52
    Como podem observar pelo meu nome, não sou descendente e muito menos japonês de origem. Porém convivo com este povo e seus descendentes já por mais ou menos 40 anos, tempo em que aprendi a gostar e respeitar a cultura destes. Acredito mesmo que, em espírito, possuo uma ascendencia nipônica. Meu contato deu-se pelo amor que cultivei pelo judô e fortalecido pelo trabalho que desempenhei na USIMINAS, siderúrgica mineira que, como é sabido, foi implantada com o apoio tecnológico e participação societária japonesa. Todo o resto foi consequencia destes dois fatos e hoje tenho minhas amizades quase que totalmente no seio da colônia radicada em Belo Horizonte, estado de Minas Gerais e sou muito considerado por eles. Alguns destes amigos quiseram mesmo que eu optasse por um esposa japonesa, em certo momento de minha vida, mas neste aspecto não os ouvi. Entretanto, todos os meus filhos frequentaram a colônia japonesa de Belo Horizonte, também lutaram judô e possuem amizades nela. Parabens à Senhora Takeko pelo exemplo que demonstrou neste seu relato e que só reforça a opção de vida que adotei. Ainda hoje, apesar de meus 61 anos de idade, frequento a colônia e levo comigo o meu filho caçula de 7 anos, também praticante deste esporte que representa bem a índole nipônica. Endosso ainda os comentários de Rachel Vaccari Vassão e imagino que, caso a imigração japonesa para o Brasil tivesse alcançado maior intensidade, seríamos hoje um povo inigualável em índole, tradição e cultura. Parabéns a todos os brasileiros descendentes da nação do sol nascente e sem dúvida estarei em minha cidade colaborando para os festejos destes 100 anos que agregaram à nossa pátria uma conformação cultural tão multi-racial.

  9. Laila @ 12 Abr, 2008 : 10:09
    isso é muito bom pois emcomtra tudo o que quer

  10. Rita de Cássia Arruda @ 3 Jun, 2008 : 13:17
    Prezada senhora Takeko: Seus relatos são realmente emocionantes. Resgatam um passado de muita luta e sofrimento mas também revelam seu lado de mulher guerreira; de muita fibra. Apesar de todas as dificuldades pelas quais passou, não perdeu a ternura nem se deixou abater pela tristeza. Sem dúvida, um exemplo e tanto de vida. Obrigada por dividir conosco suas memórias. Um abraço carinhoso.

  11. juliana @ 7 Mai, 2009 : 11:20
    eu gostei porque fala sobre a vida dos imigrantes que vinheram au brasil

  12. juliana @ 7 Mai, 2009 : 11:23
    eu gostei porque fala sobre a vida e obra dos imigrantes

Comente



Todo mundo tem uma história para contar. Cadastre-se e conte a sua. Crie a árvore genealógica da sua família.

Árvore genealógica

Nenhuma árvore.

Histórias

Vídeos

  • Nenhum vídeo.

| mais fotos » Galeria de fotos

Áudios

  • Nenhum áudio.
 

Conheça mais histórias

mais perfis » Com o mesmo sobrenome

mais perfis » Com a mesma Província de origem

 

 

As opiniões emitidas nesta página são de responsabilidade do participante e não refletem necessariamente a opinião da Editora Abril


 
Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil

Sobre o Projeto | Cadastro | Fale Conosco | Divulgação |Termo de uso | Política de privacidade | Associação | Expediente Copyright © 2007/08/09 MHIJB - Todos os direitos reservados