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Veja São Paulo, 14/07/2004

São Paulo japonesa

Lúcia Monteiro

Em um levantamento surpreendente, dezesseis pesquisadores da Fundação Japão listam 1650 endereços ligados à cultura nipônica na cidade. São 600 restaurantes, 100 associações de karaokê, 600 praticantes de sumô, doze escolas de origami...

 

Fábio Mangabeira

Eles começam a ser vistos antes do amanhecer. De segunda a sábado, uma legião de 10 000 homens e mulheres de olhos puxados e roupas brancas se dirige para áreas livres, como a Praça da Liberdade e o Parque da Aclimação. Durante uma hora, alongam braços e pernas, marcham sem sair do lugar e relaxam o pescoço, debaixo de chuva ou sol. Quem passa por ali estranha. Não há sequer um professor no comando da pequena multidão. As instruções em japonês são reproduzidas em um aparelho de som portátil. A ginástica, conhecida como rádio taissô, surgiu no Japão em 1930. Naquela época, era transmitida por rádio, no início do expediente, para colégios e grandes empresas. Trata-se da primeira atividade diária de parte dos integrantes da comunidade nipônica, a segunda maior da cidade.

São 392 000 pessoas, contando 22 000 nascidos no Japão e cerca de 370 000 descendentes (ou nikkeis), um contingente menor apenas que o dos italianos, que somam 6 milhões. Foi dentro desse universo que, numa pesquisa de um ano coordenada pela Fundação Japão, acabam de ser mapeados 1 650 lugares em São Paulo que oferecem produtos, serviços e atividades tipicamente japoneses, como o rádio taissô. O resultado é o Guia da Cultura Japonesa (610 páginas; 49 reais), lançado há quinze dias pela Editora JBC.

É um levantamento surpreendente. “Dezesseis pessoas trabalharam duro para que nenhum endereço ficasse de fora”, afirma Jo Takahashi, diretor de projetos culturais da Fundação Japão. Um dos destaques é, evidentemente, a culinária. Afinal, 600 restaurantes da cidade servem sushis e sashimis, preparados por cerca de 1 200 sushimen. Mas quem imaginaria que aproximadamente 2 000 cantores freqüentam campeonatos de karaokê em japonês todo domingo? E que existem 3 000 jogadores de beisebol e que quase 20 000 estudantes aprendem matemática através dos métodos kumon e soroban? Sem falar nos 600 lutadores de sumô. Aos domingos, dia de competição, eles podem ser vistos na arena do Estádio Municipal do Bom Retiro. De manhã, participam as crianças e, depois do almoço (em geral preparado pelas mães dos atletas), é a vez dos mais velhos.

Alguns capítulos do guia mostram o que há de mais tradicional, como a cerimônia do chá (chado), um ritual silencioso e delicado, com até quatro horas de duração, realizado semanalmente nesta barulhenta metrópole da mesma maneira de 500 anos atrás, quando foi criado. Antes de chegar à sala de chá do Centro de Chado Urasenke do Brasil, na Liberdade, é preciso atravessar um jardim sem flores, que marca a separação do mundo exterior. Depois, lavam-se as mãos e enxágua-se a boca em uma pia de pedra com função purificadora. Durante a cerimônia, existe uma maneira certa para sentar, levantar, segurar a xícara, beber o chá, agradecer ao anfitrião... “É uma arte muito refinada, que preenche bem o currículo de quem quer se casar”, afirma a professora Bertha Hoshi Nakao.

A etiqueta japonesa é complexa e cheia de códigos. Brasileiros que trabalham para empresas como a montadora Nissan e a fabricante de temperos Sakura procuram conhecê-la para não cometer gafes nem indelicadezas. “Um movimento errado pode ofender profundamente e estragar os negócios”, explica Lumi Toyoda, professora especializada no assunto. É isso mesmo. Alguns dos requisitos básicos para evitar constrangimentos são ensinados a brasileiros por uma professora particular — 500 alunos por ano ouvem suas dicas. “Contar piada no local de trabalho, por exemplo, é imperdoável”, avisa Lumi. Essas regras fazem parte da rotina de quem quer aprender a arte de manipular a espada desenvolvida pelos samurais na Idade Média, o kenjutsu. No Instituto Niten, escola com três endereços na capital, deve-se, em primeiro lugar, respeitar o mestre, ou seja, o sensei. Depois de qualquer palavra que o sensei Jorge Kishikawa pronuncia, os alunos — incluindo os 130 brasileiros, ou 50% do total — respondem com voz forte: “Hai, sensei!”

Fábio Mangabeira

Nas aulas de kenjutsu e em outros ambientes que valorizam a tradição, é uma grave falta de educação entrar na sala sem tirar o sapato e deixar de cumprimentar os presentes em voz alta. Nascidos no Brasil, filhos e netos de imigrantes japoneses, no entanto, não se apegam tanto a formalidades. Alguns têm o cabelo pintado de loiro ou vermelho e ajeitado com penteados modernosos, adoram lan houses (casas de jogos em rede) e se encontram em baladas-japa, noites de música eletrônica realizadas aos sábados em lugares como o Clube Ipê, no Ibirapuera, a danceteria Onu, em Pinheiros, e a Mansão Calipso, às margens da Guarapiranga, sede da Festa dos Mortos Vivos, que chega a atrair 2 500 pessoas (apesar do nome, é animadíssima). A juventude nikkei também adora mangás, os gibis japoneses que viraram febre no mundo. São lidos de trás para a frente. A livraria Animanga, na Vila Mariana, tornou-se ponto de encontro da tribo interessada em comprar quadrinhos, escrever roteiros para suas histórias, desenhar e até criar roupas iguais às de seus personagens prediletos para fantasiar-se em festivais. Parece incrível, mas a paixão pelos mangás provocou um aumento na procura pelo ensino de japonês nas escolas — e a própria Animanga passou a oferecer cursos do idioma.

Diferentemente de outras comunidades, a japonesa não é ligada apenas a tradições que existiam no início do século XX, época em que os imigrantes começaram a chegar ao país (o Kasato Maru, primeiro navio de emigrantes da Terra do Sol Nascente, aportou em Santos em 1908). Graças aos decasséguis, brasileiros de origem nipônica que trabalham no Japão por alguns anos para juntar dinheiro, em pouco tempo o que é moda em Tóquio vira moda por aqui. Os dezesseis grupos de street dance que se formaram na colônia nos últimos dez anos dão uma boa amostra disso. Surgida nos Estados Unidos, a dança virou mania entre os descolados japoneses, que fizeram fama com seus movimentos rápidos e precisos. Logo começaram a surgir dançarinos paulistanos, que procuram aliar a ginga brasileira ao perfeccionismo de seus antepassados nas competições internacionais. Criado há onze anos, o The Face representará o Brasil no festival de Los Angeles, em agosto.

Com o karaokê, a história é parecida. “O hábito de cantar com o acompanhamento de músicas gravadas surgiu por volta de 1980, mas nunca foi tão forte como hoje”, explica o professor de canto Roberto Maeda. Ele tem cinqüenta alunos, de 5 a 70 anos de idade, todos interessados em melhorar as performances em campeonatos de karaokê, realizados aos domingos em sete lugares da cidade. Juntos, atraem cerca de 2.000 pessoas por semana. “Em nenhum outro lugar do mundo, fora do Japão, o karaokê faz tanto sucesso como aqui”, afirma Maeda. Há 100 associações na capital. Para concorrer com uma música (em japonês, claro), paga-se uma taxa de inscrição entre 10 e 15 reais. Aos 10 anos, Douglas Daichi Tatsumi é um dos mais festejados cantores do momento. Campeão brasileiro da categoria infantil em 2003, ele conquista troféus em todos os concursos em que apresenta a canção Seikurabe, sobre o crescimento de crianças, animais e plantas. Para vencer a timidez, os adultos contam com a ajuda de garrafas de uísque e saquê, discretamente colocadas atrás do palco.

O músico Setsuo Kinoshita, 36 anos, é outro responsável por fazer o elo entre o Japão atual e a colônia. Ele nasceu no Butantã, montou uma banda na adolescência e há catorze anos resolveu estudar na terra de seus ancestrais. Logo surgiu o interesse por um grande tambor de som fortíssimo conhecido como taiko, originalmente usado na comunicação entre vilas, em batalhas e em templos budistas. Kinoshita tornou-se especialista no assunto e hoje vive a metade do ano em Nara, no Japão, onde dá aulas de samba e tem um conjunto profissional, o Wadaiko Sho. Nos outros seis meses, ensina o taiko em uma escola ao lado do metrô Ana Rosa e forma sua filial do grupo por aqui. “Gosto de promover esse intercâmbio”, diz ele.

O Festival do Japão, que começa dia 23, na Assembléia Legislativa, será uma boa oportunidade para conhecer o som contagiante do taiko. Em sua sétima edição, é um evento promovido por 47 associações que representam cada uma das províncias japonesas. Desta vez, terá como tema os ensinamentos dos samurais e, além de música, haverá demonstrações de artes marciais, cerimônias do chá gratuitas, barracas de alimentos e produtos típicos à venda. Numa área de 12.000 metros quadrados, os mais de 300.000 visitantes esperados poderão conferir um pouco da cultura e da forte presença japonesa na cidade. Sayonara!

Mario Rodrigues

 

Mario Rodrigues

 

Mario Rodrigues

 



No Centro de Chado Urasenke do Brasil, na Liberdade, são ensinados os rituais e a etiqueta da cerimônia do chá. O conhecimento valoriza o currículo das mulheres que querem se casar na colônia. Centro de Chado Urasenke, 3815-3641


 







Mari Kanegae já ensinou origamia mais de 2 000 pessoas.
Na primeira lição, aprende-se a fazer o pássaro tsuru, símbolo de longevidade surgido no século XVI. Atelier KamiArte, 5584-8291

 

 









Criado por Setsuo Kinoshita (à frente), o WadaikoSho é um dos seis grupos paulistanos de taiko (tambor japonês). Até 1950,o instrumento só era tocado em templos. Setsuo Kinoshita, 5078-8430

 
 

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