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Japao100.com.br, 4/09/2008

Filhos de dekasseguis: educação de mão dupla

NARA BIANCONI

A adaptação escolar dos filhos dos dekasseguis que embarcam para o Japão ou retornam ao Brasil gera inquietação e iniciativas entre brasileiros e japoneses

A educação dos filhos tem sido uma das grandes preocupações de muitos dos cerca de 300 mil brasileiros que vivem e trabalham no Japão. Os que residem por lá não sabem ao certo se matriculam seus filhos em colégios públicos japoneses ou em escolas particulares brasileiras. Já as crianças que voltam ao Brasil precisam passar por aulas de adaptação para aprender a falar português e entender como funciona o sistema de ensino brasileiro.

Uma série de iniciativas públicas e privadas para ajudar os filhos de dekasseguis que retornaram do Japão a se adaptarem ao sistema de ensino brasileiro - e vice-versa – mostra a busca, de muitos brasileiros e descendentes que decidiram trabalhar na terra do Sol nascente, pela melhor maneira de educar os filhos.

Arquivo pessoal/ Erica Muramoto
Erica Muramoto com alunos, em uma horta, no Japão

A professora brasileira Erica Muramoto, que mora no Japão desde 2001, mudou de país para acompanhar o marido. Na ocasião, acabara de se formar em pedagogia e, assim que chegou à província de Gunma, começou a dar aulas de português para crianças brasileiras em escolas brasileiras, que nessa época estavam surgindo aos montes na região. No ano passado, foi convidada para ser responsável pela classe de adaptação de estrangeiros do colégio público japonês da cidade de Tamamura, também em Gunma.

“Nesta escola, o problema de adaptação e aceitação do sistema de ensino japonês era visível. As crianças falavam em português ou em um japonês muito precário, às vezes eram violentas e mostravam desinteresse pelos estudos. Para piorar, não havia a possibilidade de diálogo entre pais e professores, porque os pais geralmente não falavam japonês. O meu papel ali era não só o de ajudar as crianças com a adaptação da língua e as regras da escola, mas também o de trazer algum conforto para os pais, traduzindo as mensagens dos professores”, conta Erica.

Isolamento

Arquivo pessoal / Maíra Hotoshi
Maíra Hotoshi com a filha, Natália: atmosfera incômoda na sala de aula da escola japonesa

Maíra Hotoshi, que mora no Japão há nove anos, enfrentou problemas como esses quando decidiu matricular sua filha Natália, hoje com 5 anos, em uma escola pública em Toyohashi, na província de Aichi. A menina, que é loira e tem olhos claros, é facilmente identificada como estrangeira, o que, em alguns episódios, criou uma atmosfera incômoda, de não-aceitação junto aos colegas japoneses de sua classe.

“Fui a uma gincana do colégio e percebi que a Natália esteve o tempo todo isolada. Como não conseguia estabelecer um diálogo fluente com os coordenadores do colégio, já que não falo japonês, achei por bem matriculá-la em um colégio brasileiro”, diz Maíra. Foi então que ela percebeu que em muitas dessas escolas, que chegam a cobrar até 40 mil ienes por mês (cerca de R$ 600) – os colégios japoneses custam cerca de 7 mil ienes (cerca de R$ 105) –, havia um completo despreparo dos professores. “Muitos deles não terminaram os estudos no Brasil, mas aqui ficam responsáveis por alfabetizar as crianças”, conta ela.

A decisão de escolher um colégio para os filhos no Japão envolve ainda outras variáveis, como os planos a longo prazo dos pais. Muitos dekasseguis partem do Brasil com a intenção de não mais retornarem. Nesse caso, a preferência por escolas japonesas é evidente, já que o intuito é que as crianças cresçam dentro da cultura daquele país. Entretanto, no caso de Maíra, a estadia no Japão tem prazo de validade. “Quero voltar para o Brasil o quanto antes e por isso mesmo prefiro que a Natália aprenda desde cedo a falar e a escrever em português”, explica.

Adolescentes sofrem mais

No Brasil, Hiroko Egashira Matsuda, diretora do Colégio Harmonia, em São Bernardo do Campo (SP), recebe crianças e adolescentes vindos do Japão há 14 anos. “Os pequenos se adaptam melhor às regras e aprendem o português com mais facilidade. Quando já são adolescentes, sofrem mais, porque, além de já estarem perfeitamente adaptados à rotina e à cultura japonesa, têm que deixar para trás os amigos”, diz.

No Harmonia, que foi fundado e é mantido por nipo-brasileiros, há classes especiais de adaptação, e o japonês faz parte do currículo obrigatório desde o começo da alfabetização.

Neusa Hiroko Sagawa, que retornou ao Brasil depois de 12 anos no Japão, enfrentou as duas realidades. A princípio, ela e seu marido não pretendiam voltar para o Brasil. Os dois residiam em Tóquio e, com o passar dos anos, abriram uma empresa de serviços terceirizados. Em 1997 tiveram Enzo, seu primeiro e único filho. O menino foi matriculado em um colégio japonês e cresceu sem quase ter contato com a língua portuguesa.

Em 2003, entretanto, o marido de Neusa faleceu, devido a um câncer de estômago. Sozinha e com um filho pequeno, Neusa achou por bem retornar à sua terra natal. “No Brasil descobri o Colégio Harmonia, que, além de ajudar as crianças com o processo de adaptação, dá seguimento ao aprendizado da cultura japonesa. Em seis meses, Enzo já falava bem português, apesar do sotaque carregado. Hoje ele está perfeitamente adaptado e é fã de música brasileira, além de torcedor são-paulino roxo”, diz a mãe sorridente.

Arquivo pessoal / Ilza Miura
Ilza Miura e o filho, Natsuki (à dir.), no Japão: antes de voltar ao Brasil, ele teve aulas de português

A história de Ilza Miura não é tão diferente. Depois de uma longa temporada de 18 anos no Japão, ela, o marido e o filho voltaram para o Brasil. Natsuki, seu único filho, quase não teve contato com a língua portuguesa nos dez anos que morou no Japão. A educação foi em escola japonesa e dentro de casa os diálogos aconteciam em espanhol, já que seu pai é peruano.

“Quatro meses antes de voltarmos, matriculei o Natsuki em uma escola brasileira para aprender pelo menos como escrever seu nome”, conta Ilza. “Quando voltamos para Curitiba, ele foi estudar em um colégio bem puxado. Precisei contratar uma professora particular que falasse os dois idiomas, e eu tinha que estudar ao lado dele, traduzindo as lições de história, geografia e português. Ele se esforçou muito e, apesar de ficar de recuperação, conseguiu passar de ano. Hoje ele está muito bem adaptado e gosta mais do colégio brasileiro do que do japonês.”

As histórias com finais felizes e adaptação garantida não são regra. Segundo a diretora Hiroko, muitos alunos que passaram pelo Harmonia não conseguiram assimilar a cultura brasileira. “Há pouco tempo, recebi dois irmãos adolescentes que não falavam português. Vieram com a mãe enquanto o pai continuou trabalhando no Japão. Um deles conseguiu se adaptar em pouco tempo, fez amigos e se apaixonou pelo Brasil. O outro se ressentiu bastante e, em menos de um ano, retornou ao Japão para morar de novo com o pai”, relata.

Arquivo pessoal / Erica Muramoto
Erica e alunos em uma aula de culinária no Japão

Programas de ajuda

Segundo dados do Ministério da Justiça do Japão, em 2005, havia 302 mil brasileiros morando no país, além de 26 mil com dupla nacionalidade. Todo ano, cerca de 4 mil deles retornam para o Brasil. Por conta do número relevante, instituições como o Isec (Instituto de Solidariedade Educacional) e a Secretaria de Educação de São Paulo estão criando programas para ajudar as crianças nessa situação. Em junho de 2008, essas duas entidades lançaram um projeto que visa dar apoio escolar aos filhos dos dekasseguis que retornaram ao Brasil.

O "Projeto Kaeru" pretende primeiro descobrir quem são e em que cidades brasileiras estão essas crianças, para assim conseguir dar o apoio educacional necessário. Em seguida, haveria acompanhamento de cada jovem, com atividades como aulas particulares de português e assistência às famílias.

Há ainda a intenção de firmar parcerias com ONGs e instituições japonesas para que seja feito um acompanhamento do desempenho escolar dessas crianças no Japão. “Queremos também fazer um intercâmbio com os professores da rede estadual. Os brasileiros iriam para o Japão e os japoneses viriam a São Paulo para que conheçam e saibam lidar com as duas realidades”, afirma a secretária de educação de São Paulo, Maria Helena Guimarães Castro.

No Japão, diretores da ONG NPO (Multilingual Education Research Institute) criaram programas como o “Clube da Lição de Casa”, onde as crianças brasileiras da província de Gunma recebem suporte de professores bilíngües para finalizarem suas tarefas, além de acompanhamento psicológico, que atende também aos seus familiares.

Para a professora Erica, que convive diariamente com uma boa diversidade de casos de crianças que sofrem com o processo de mudança de país e adaptação escolar, essas iniciativas valem ouro. “As crianças que recebem apoio de profissionais e têm acompanhamento efetivo de seus pais no dia-a-dia escolar conseguem romper com muito mais facilidade a barreira da adaptação, sem sofrerem grandes traumas.”

 
 

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