Olá, faça o Login ou Cadastre-se

  Conte sua históriaMárcia Mieko Morikawa › Minha história

Márcia Mieko Morikawa

Coimbra, Portugal
15 anos, professora universitária

Tempo II: Buda parecia chorar


Minha avó emigrou do Japão para o Brasil em 1925 e não me lembro dela manter nenhum diálogo prolongado em português. Sempre se dirigia a nós em japonês. Lembro-me de quando ia nas missas budistas em sua companhia e tinha que passar horas em pé, ouvindo o “bousan” , que emitia sons estranhos enquanto rezava. Eram sons guturais em vibrato e eu, na verdade, divertia-me imensamente com aquilo.
Muitas vezes eram dois monges budistas a rezar, um que ficava sentado em frente a um grande pote de bronze redondo e outro que ficava virado para nós, com um pequeno livro de reza aberto em suas mãos. Adorava acompanhar minha avó só para ouvir aqueles sons estranhos que eram emitidos pelo “bousan”, e que para mim não passavam daquilo: meros engraçados sons guturais cadenciados com profundas respirações nasais.
O ritual iniciava-se com batidas no pote, e logo seguia-se o vibrato metálico daquele instrumento. Ao vibrato metálico do pote de bronze acompanhava-lhe, em seguida, o vibrato gutural do “bousan”. E eu acompanhava aquele “dueto” muito quieta, ao lado de minha avó, e em silêncio interno tentava imitar o vibrato daquele “bousan”.
Por vezes apavorava-me: o rosto do “bousan” ficava vermelho, e ele prolongava-se naquele som até parecer esvaecer, quando, então, com um respiro profundo pelas narinas, voltava à reza. Eu, então, respirava aliviada!
O dia do nascimento de Buda – ou de seu aniversário (Hana Matsuri) – era o dia em que eu mais gostava de acompanhar minha avó ao “otera” . Os meus cinco anos não impediam a seriedade necessária ao ritual que consistia em entrar aos pares no templo budista para banhar a imagem do Buda de chá (amachá). O ritual era feito com uma pequena concha feita de bambu. Três vezes elevava-se a concha de chá e fazia-se-lhe escorrer o líquido à imagem. Buda parecia chorar... Lembro-me daquela imagem: Buda tinha o indicador da mão direita apontando para o céu e da esquerda para a terra. Estava seminu, apenas uma faixa de pano cobria-lhe a parte inferior do corpo. Interrogava-me o que ele estaria querendo dizer apontando com um indicador para o alto e com outro para a terra? Buda parecia chorar...

bousan: monge budista
otera: templo budista


Enviada em: 11/01/2008 | Última modificação: 25/10/2008
 
« Tempo III: Memórias congeladas Três tempos das memórias de uma sansei - Tempo I: «Chouchou» no meu jardim »

 

Comentários

  1. Mami @ 11 Jan, 2008 : 23:56
    Marcia, No meu caso, os imigrantes foram meus proprios pais..foram uns dos ultimos a imigrarem para o Brasil naqueles "navios" que demoravam meses para chegar no pais. O mesmo aconteceu comigo. Das historias contadas por eles sobre o Japao "deles" nada havia restado. Ate a lingua japonesa que eles me ensinaram, era de um tempo antigo, alem de ser o "hogen" de kyushu. Mas ao pisar nas Terras dos meus sonhos..a Terra dos meus pais ha 17 anos atras, ate hoje me lembro: lagrimas de felicidade por estar aqui!

  2. Thomas Suzuki @ 16 Jan, 2008 : 20:04
    Legal, Marcia! No meu caso foi com comida... Fui alfabetizado em português, mas em casa algumas palavras e cumprimentos (ohaioo, oyasumi) eram em japonês. Eu fiquei assustado quando meus amiguinhos de escola falavam que gostavam de comer arroz. Eu falava: "Eca! É duro!". *risos* Na minha cabecinha, "Arroz" era o cru, porque eu lia assim nas embalagens; e "Gohan" era o cozido, porque minha mãe sempre chamava "Vem comer gohan!"

  3. mario,23/01/2008 @ 22 Jan, 2008 : 02:29
    sim , idiomas trazem tanto cotradiçao ,antigamente maioria dos pais diziam que , ! ja que nasceu no brasil ! , nao tem necessidade de falar lingua japonesa ,porem a lingua japonesa e idima a mais , internacional , sabendo e conhecimeto a mais , e sera naturalmente muitissimo util , muitos dekasseguis aqui no japan sofrem devido a lingua , sofrem e nao faz força para aprender , para ir no simples hospital tem que ir com tradutor , aumentando o orçamento , interessante e aprender o basico da lingua , para viver num paiz que seja temporariamente e necessario pelo menos o basico da lingua onde se reside , imigrantes dekasseguis japoneses sofreram no brasil de nao falar portugues , os que vem para japan sofrem de nao falar lingua japonesa , sofrem de nao poder defender si proprio , em pequenos casos as vezes e humilhados , deve consentisar pela importancia da idioma , sabendo idioma mais , e conhecimento a mais , assim ensino meus filhos ! parabens marcia ! e gracias , felicidades !!

  4. Ricardo Katayama @ 24 Jan, 2008 : 01:15
    sensacional trilogia. emoção, evolução e uma dose de realidade no terceiro tempo. parabéns!

  5. marcia @ 4 Mar, 2009 : 08:34
    Kero saber como se escreve marcia em japones? Grata,

  6. guilherme @ 17 Mar, 2009 : 21:46
    eu gosto da xina

  7. guilherme @ 17 Mar, 2009 : 21:46
    eu gosto da xina

Comente



Todo mundo tem uma história para contar. Cadastre-se e conte a sua. Crie a árvore genealógica da sua família.

Árvore genealógica

Nenhuma árvore.

Histórias

Vídeos

  • Nenhum vídeo.

| mais fotos » Galeria de fotos

Áudios

  • Nenhum áudio.
 

 

 

As opiniões emitidas nesta página são de responsabilidade do participante e não refletem necessariamente a opinião da Editora Abril


 
Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil

Sobre o Projeto | Cadastro | Fale Conosco | Divulgação |Termo de uso | Política de privacidade | Associação | Expediente Copyright © 2007/08/09 MHIJB - Todos os direitos reservados