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Cesídio Ambrogi Filho

Taubaté (SP)
82 anos, médico e jornalista

O mistério dos nikkeis


Meu convívio com nipo-brasileiros ocorreu no alojamento para estudantes da antiga Faculdade Nacional de Medicina, na Praia Vermelha, Rio de Janeiro. O alojamento comportava cerca de 26 estudantes vindos de todo o Brasil e era dirigido por nós mesmos, inclusive quanto aos critérios de seleção dos mais pobres.

No grupo havia cinco nikkeis e fui observando que o comportamento deles era um tanto diferente dos demais. Nunca reclamavam dos cursos, dos professores, das notas, nem do alojamento ou dos colegas. E eram sempre bons alunos. No alojamento eram discretos, ordeiros, silenciosos e cooperativos.

Acabei ficando amigo de um deles, Nilo Guenka, do Mato Grosso. A partir daí, cresceu a minha curiosidade sobre o "misterioso" comportamento dos nikkeis. Sempre havia ordem nos seus quartos. Não se envolviam com a momentosa "esquerda festiva" universitária: a faculdade e nosso alojamento foram invadidos por forças militares nos anos 60. Eu mesmo, na ocasião, tive que passar por um "corredor polonês" para chegar às ruas.

Mesmo fora das esquerdas, nossos colegas japoneses eram respeitados e não eram vistos como reacionários. Pareciam neutros ou indiferentes. Mas mostravam-se amigos sinceros, não emotivos, do tipo com os quais o que se combinava deveria ser cumprido. Percebi que a amizade com eles era uma relação que seguia certas regras, uma coisa nova para mim. Outra coisa me chamava a atenção. Os nikkeis eram 19% da população do alojamento, mas nem de longe 19% da população do Brasil. Como entender? Uns eram brancos e quase sem pêlos. Outros, morenos e bem mais peludos. Guenka, adiante, me explicou que eram originários de ilhas diferentes.

No longo convívio com Nilo Guenka, raras vezes o vi gargalhar, embora fosse alegre e ágil. Ele me impressionava pela sua maneira lógica de pensar. Naquela época, era comum nós estudantes trabalharmos em hospitais na Baixada Fluminense. Lá, numa maternidade, Guenka observou que nasciam mais crianças mal formadas das gestantes que faziam seu pré-natal com determinado médico. Ele analisou os prontuários e notou que este médico era o único que usava um determinado remédio contra vômitos (não a talidomida). Repeti a mesma observação nos berçários que tive acesso. Parecia provável. Entretanto, afora a nossa troca de idéias, não nos sentimos estimulados a fazer uma comunicação. Na Universidade, não fomos educados a pensar em termos probabilísticos, duvidar ou investigar sobre o que estava estabelecido. E a idéia de um código de defesa do consumidor não havia nascido. Assim, calamos o bico e evitamos usar o remédio que, enfim, saiu do mercado silenciosamente.

Aprendi fotografia com um colega nordestino e trabalhava no Diretório Acadêmico fazendo 3x4. Mas foi com Nilo Guenka que pratiquei fotografia experimental. Com o tempo, concluímos que não tínhamos talento para a arte. Nas folgas, na Praia Vermelha, eu e ele éramos praticantes autodidatas de pesca submarina. Partilhávamos uma máscara, um snorkel e um par de pés-de-pato. Pescávamos com um arpão improvisado, lançado por elástico de garrote médico e comíamos nossos peixes com a sensação de triunfo. Nilo Guenka, mais tarde, morreu afogado tentando salvar sua namorada do afogamento. Perdi um amigo que seria para sempre.


Enviada em: 11/10/2007 | Última modificação: 13/10/2007
 
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Comentários

  1. Luci Suzuki @ 4 Nov, 2007 : 17:36
    Excelente abordagem, sr. Ambrogi. Me refiro à ferida na qual aponta os dedos: a herança "católico-rural-cartorial-portuguesa", da qual nós brasileiros estamos visceralmente "condenados" a aceitá-la como uma sina, esperando apenas por hipotéticos dias melhores abençoados por alguma força divina. Absolvemos tudo,dissimulamos tudo e preferimos a omissão a solução. A história brasileira passou da barbárie(escravidão mal-resolvida) à decadência sem a etapa intermediária da civilização e não posso que lamentar essa nossa persistente apatia.

  2. Renzo @ 6 Nov, 2007 : 18:38
    A sua frase "esquerda festiva" ilustrou bem, por comparação, o contraste do "japonês" comportado e comportamento alguns movimentos de "esquerda" sem causa e brincando com coisas sérias. Gostei muito do seu comentário pois descreve fielmente o comportamento de todos os japoneses e nisseis que eu conheço, desde o meu pai até alguns amigos nisseis que tive na escola e faculdade. O sr. fez um retrato e traçou um perfil representando neste seu amigo o comportamento que regia quase todos os japoneses e nisseis daquela geração e que de alguma forma não tem seguidores nos dias de hoje.

  3. kleber.ferreira@hotmail.it @ 29 Nov, 2007 : 19:48
    Lendo sua interessante abordagem sobre este artigo, fui tomado por uma incontrolável curiosidade que foge um pouco do assunto e quero aproveitar a ocasião para lhe dizer que sou de Natividade da Serra a terra natal de seu querido pai. Vivo hoje em Turim, Italia e pesquisando sobre a vida do Sr. Cesídio Ambrogi, escrevi uma pequena biografia sobre ele na wikipédia (enciclopédia virtual). Espero com isso, poder manter ainda viva a memòria de um grande e inesquecível homem. Saudações, Kleber Ferreira

  4. wanderley.guenka@funasa.gov.br @ 4 Fev, 2008 : 11:35
    Prezado Cesídio Muito interessante o seu relato. Sou da família Guenka de Campo Grande da terceira geração - Sansei e tenho a pretensão de escrever a saga do meu avô vindo de Okinawa. Muito provavelmente o Nilo Guenka é de uma das familias GUENKA de Campo Grande. Toda vez que passo na via Dutra próximo de Taubaté procuro enxergar a Pedra do Baú que um dia tive a alegria de escalar e lá passar a noite. Parabéns Wanderley Guenka

  5. marcelo.guenka@terra.com.br @ 29 Dez, 2008 : 10:25
    Prezado Cesídio, Sou seu vizinho de Taubaté pois moro em Caçapava. Fiquei intrigado com a sua história. Meu pai chama-se Nilo Guenka e é de Campo Grande - MS. Você não teria errado o nome desse seu colega médico? O meu pai tem 76 anos e goza de perfeita saúde. Um abraço.

  6. placidina lemes siqueira @ 22 Ago, 2009 : 22:08
    Todos os nisseis e japoneses que conheço são exemplos de disciplina em todos os seus atos. Disciplina carregada de todas as virtudes: temperança, prudência, dedicação, e, não sei se pela situação de imigrantes, são portadores de uma humilde segurança talvez conquistada nas travessias da vida... placidina.siqueira@gmail.com

  7. judit letsche @ 14 Nov, 2009 : 11:40
    Oi Cesídio, há quanto tempo, meu Deus! Fomos colegas da turma de 1971, e claudia eu conhecia por causa da irmã dela aqui no Rio e aulas de ingles que tomamos juntas. A gente se encontrou em algum canto na vida, não me lembro mais aonde - será Araras? Acho que foi. Bem este colega que voce cita não me lembro de ter sido da nossa turma - como estão perguntando por ai, será que o nome é este mesmo? Abraços saudosos, Judit

  8. cesidiolima@hotmail.com @ 14 Dez, 2009 : 07:19
    bom dia chará moro em manaus estava abrindo meu hotmail quando vi seu nome fiquei feliz. nunca ouvir falar do meu nome em toda minha vida tenho 43 anos sou paraense; gostei da sua historia è bom preservar uma grande amizade mesmo a distancia um abraço de seu chará.

  9. Paulo fernando @ 1 Abr, 2010 : 21:08
    Este grande homem, Cesidio Amgi, partiu para a Casa do Pai hoje. 30.03.2010

  10. Léa Cristina Ambrogi Ribas Branco @ 2 Abr, 2010 : 15:56
    Chamava este grande Homem e homem grande de Tio.De verdade era primo de minha mãe. Nosso contato sempre foi de grande alegria e bagunça. Altamente inteligente, polêmico (como citou seu filho David em sua despedida), deixa uma grande saudade dos seus olhares, expressões faciais que eram só dele, seus longos bate-papos e lindas histórias. Querido Tio/ primo, você deixa um enorme vazio em nossa família. Te amamos. Léinha 02/04/2010

  11. Renato Yassuda @ 11 Abr, 2010 : 09:54
    Meus sinceros pesares pela passagem do sr.Cesídio. "O que importa não é cruzar a linha de chegada, mas sim como se percorreu o CAMINHO". Tenho certeza, apesar de não o conhecer, que o sr.Cesídio percorreu o seu caminho da melhor maneira.

  12. Mario Katsuhiko Kimura @ 12 Abr, 2010 : 16:11
    Obrigado Dr. Cesídio Ambrogi Filho pelos gentis registros em prol da colonia japonesa. Nós descendentes da terra do sol nascente ficaremos eternamente gratos. Decerto estará num lugar muito especial, reservado a espíritos especiais.

  13. josé de souza @ 1 Jun, 2010 : 08:34
    sou jornalista, prof. e gostaria muito de contribuir com a comunidade japonesa de taubaté> Meu trabalho de graduacão de comunicaçoes foi sobre a colonia japonesa de são josé dos campos. Porque não fazer o mesmo com a colonia de taubaté ? Fui ao japao duas vezes e gostaria muito de entrar em contacto com a colonia de taubaté. Meu e-mail Jsouza@univap.br e o meu endereço Rua Ismael Pereira de faria,36-taubaté-Pq 3marias-cep-12081-650- obrigado.

  14. Ariana @ 8 Set, 2010 : 15:40
    Olá! meu nome é Ariana e tenho 14 anos, sempre fui uma admiradora do povo nipônico em si, e simplismente fiquei muito encantada com a sua história.Também vivo em Taubaté e sinceramente ainda não tive nenhum contato(direto ou indireto) com o povo japonês daqui, bom , só espero um dia poder saber um pouco mais sobre eles.

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