5 Mai, 2008
Luis Go Ikemori. O primeiro sekitori brasileiro.
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Conta uma lenda shintoísta que há milhares de anos atrás houve um combate de sumô entre o deuses Take-mikazuchi e Take-minakata. A vitória de Take-mikazushi possibilitou que a tribo que ele defendia pudesse se estabelecer nas terras que a partir de então deram origem ao Japão.
Com uma origem tão mitológica o sumô tornou-se um esporte único que mistura competição com religião. Os torneios profissionais, que só são realizados no Japão, envolvem uma série de rituais e cerimônias antes dos combates e seus atletas seguem uma rígida norma de conduta dentro e fora da competição. No Japão, o sumô só perde em popularidade para o beisebol e, mais recentemente, também para o futebol.
No Brasil, os primeiros imigrantes japoneses já trouxeram com eles essa paixão pelo sumô, que era praticado nas colônias como uma forma de manter viva as tradições de seu país. Data de 1912 o registro do primeiro campeonato de sumô no país, que foi realizado na cidade de Guatapará, São Paulo. Mas com o passar dos anos a pratica do sumô foi ficando restrita à colônia japonesa enquanto outros esportes como o judô e o karatê ganharam popularidade entre os demais brasileiros. Mas esse quadro tem mudado e recentemente muitos não-descendentes também têm praticado sumô no Brasil, inclusive mulheres, algo que no Japão ainda é raro.
Luiz Go Ikemori começou no judô aos 7 anos de idade, incentivado pelo seu pai, Luiz Ikemori. O garoto demonstrou muito talento para o esporte. Cresceu, se tornou um jovem alto, forte e começou a se destacar em competições nacionais e internacionais. Tinha tudo para se tornar um grande atleta do judô, não fosse o destino guardar outros planos para ele.
Foi numa competição exclusiva para atletas nikkeis que Go ouviu falar sobre treinos de sumô em São Paulo. Ficou curioso em ver um treino desses de perto e juntamente com seu pai resolveu procurar o tal lugar. Não havia muitas informações na época. Seu Luiz acabou descobrindo sobre um senhor que poderia informá-los a respeito dos treinamentos. Disseram que ele vendia churrasquinho na feira da Liberdade mas que também atuava como árbitro de sumô. E lá foram eles encontrar o tal juiz. Ao saber que Go procurava a academia de sumô uma reação inusitada: o homem desmontou a barraca na hora, pegou suas coisas e os levou pessoalmente para o local de treinos.
O ginásio ficava no bairro do Bom Retiro, junto ao estádio de beisebol Mie Nishi. Por coincidência era dia de competição. Go, que só estava lá por curiosidade, acabou sendo convidado para participar do campeonato. Munido apenas de sua experiência como judoca, o jovem de 16 anos acabou surpreendendo e ficou com o 3º lugar na competição. A partir de então Go dedicaria a semana aos treinos de judô e o domingo seria dia de sumô.
A adaptação ao novo esporte foi fácil. As conquistas que ele conseguia no judô se repetiam no sumô. Ganhou diversos campeonatos regionais e nacionais, o que o levou a representar o Brasil no campeonato mundial de sumô amador em 1998, no Japão. Na disputa havia diversos competidores japoneses e representantes de países que possuiam colônias japonesas como Brasil, Paraguai, Argentina e Estados Unidos. Go não só ganhou de todos como também foi o primeiro estrangeiro a conquistar o título.
Não demorou para que surgissem convites para treinar no Japão. Uma delas foi da Universidade Takushoku Daigaku de Tóquio, conhecida por formar grandes atletas de karatê, que estaria oferecendo uma bolsa de estudos ao atleta. A princípio Go não tinha interesse pois já estava cursando engenharia em uma faculdade paulistana mas a oportunidade de ter um diploma numa universidade japonesa acabou falando mais alto e aceitou o convite.
Tinha como objetivo conquistar o campeonato universitário, se formar e voltar para o Brasil mas a adaptação ao modo de vida local não seria nada fácil. Não dominava o idioma japonês o que o obrigou a fazer um curso específico na universidade. E como era um curso a parte não poderia competir como universitário. Passou um ano com as aulas de japonês no período da manhã até às 4 horas da tarde, treinava das 4h30 às 7h30 e ainda tinha que ajudar na limpeza do ginásio. Basicamente só sobrava tempo para jantar, fazer os deveres de casa e dormir.
O dormitório em que ficou era exclusivo para os atletas de artes marciais e eram todos japoneses, só havia ele de estrangeiro. Mal conseguia se comunicar com eles e muito menos fazer amizade. Sentia saudades do Brasil, da família, da comida da mãe, dos amigos, mas a vontade de atingir seu objetivo era maior e aproveitava para se entregar aos treinamentos de corpo e alma. Hoje ele assume que nesse período cresceu não somente como atleta mas mentalmente e espiritualmente também.
Após concluir o curso de língua japonesa pode se matricular em um curso regular e também competir pela universidade. A primeira oportunidade foi o Campeonato Nacional de Calouros (Shinjin) que foi realizado em abril de 1990. O Templo Yasukuni em Tóquio foi o palco da competição e novamente se destacou por se tornar o primeiro estrangeiro a conquistar o título de campeão.
Go ainda teve diversos campeonatos ao longo do ano até chegar ao Campeonato Nacional Universitário (Zen Nippon) em dezembro. O lugar não poderia ser mais perfeito. Neste ano a competição seria também em Tóquio, mas no tradicional Ryogoku Kokugikan, o único ginásio no país construído especialmente para abrigar competições de sumô.
Cerca de 10 mil pessoas lotavam as arquibancadas do ginásio. Na competição havia atletas de todo o Japão, a maioria com muito mais experiência que Go, que ainda era primeiro anista na universidade. Mas o clima da competição não o assustava pois já estava acostumado a competir desde criança. Estava sim muito concentrado e só pensava nos combates.
No Brasil era madrugada quando Seu Luiz atendeu o telefone. Do outro lado da linha alguém muito eufórico falava em japonês. Era o técnico de Go, que dizia que tinha uma notícia muito séria para dar. Ao ouvir isso Seu Luiz até achou que algo ruim pudesse ter acontecido com seu filho, mas logo a situação foi esclarecida. Go havia ganhado o Campeonato Nacional Universitário. Foi uma alegria enorme para a família que depois dessa ligação também acabou acordando os amigos e parentes para espalhar a boa notícia. Muito mais que das outras vezes, a imprensa japonesa estava impressionada com a vitória inédita deste brasileiro pois se tratava de um competição muito importante e tradicional.
A princípio boa parte da missão de Go já estava cumprida. Era só esperar mais alguns anos para se formar e voltar para o Brasil. Mas a situação tinha mudado completamente. Depois da conquista do campeonato nacional o sumô acabou tomando grande importância em sua vida, da mesma forma que os estudos na faculdade perdiam completamente o sentido. No ano seguinte Go resolveu abandonar a faculdade e se profissionalizar no sumô.
Em pouco tempo já estava morando e treinando em uma academia de sumô chamada Tamanoi Beya.
O sumô profissional é composto por cerca de 800 competidores divididos em 6 divisões: makuuchi, juryo, makushita, sandanme, jonidan e jonokuchi sendo que somente as duas primeiras divisões, makuuchi e juryo, formam a elite do sumô profissional, que conta com todas as honras e privilégios para seus integrantes. Esses lutadores são conhecidos como sekitoris.
Como todo iniciante Go teria que começar por baixo mas sua excelente atuação nas competições universitárias deram-lhe a oportunidade de começar numa divisão intermediária, a makushita, que ficava apenas um degrau abaixo da juryo. Mas isso não significava que se tornar um sekitori seria uma tarefa fácil.
Tamanoi Beya ainda era uma academia pequena e sem muita tradição. O treinamento não chegava a ser tão pesado como na universidade e existiam muitas técnicas novas que seu mestre tentava lhe passar. E além disso havia o fantasma das lesões.
Em um ano são realizados seis campeonatos: três em Tóquio e os outros três divididos entre Osaka, Nagoya e Fukuoka. Para um lutador subir ou descer no ranking depende totalmente do seu saldo de vitórias e derrotas. Portanto, no caso de uma lesão que impossibilite a participação do atleta nos campeonatos isso significa perder algumas posições no ranking e até mesmo cair de divisão. Por isso não são raras as vezes em que um lutador compete no sacrifício. Com o Go não foi diferente. Em sua carreira no sumô profissional ele teve diversas lesões, a mais grave no pescoço.
Superando as dificuldades, se passaram 3 a 4 anos de muita luta até que finalmente ele chegou a divisão juryo, a porta de entrada para a categoria de elite. No sumô profissional já não era novidade aparecer um estrangeiro nas primeiras divisões, mas Go era o primeiro brasileiro a chegar a esta posição. E como todos os sekitoris adotou um nome de guerra: Ryudo, que foi dado por um professor de teologia. A notícia repercutiu bastante no Brasil onde os fãs de sumo estavam orgulhosos por ter um conterrâneo sekitori.
A carreira de Go continuou tendo altos e baixos mas chegando no seu sétimo ano como profissional notou que algo não estava certo. Já não sentia mais aquela vontade de estraçalhar o adversário, aquele ódio por perder uma luta. Não era o corpo que estava cansado mas sim a mente. Em 1998 anunciou sua aposentadoria aos 30 anos de idade. Em novembro desse mesmo ano foi realizada a cerimônia do corte do seu cabelo, que simbolizava o seu abandono das competições profissionais.
Luiz Go Ikemori sabe que fez história ao se tornar o primeiro sekitori brasileiro, ainda mais sendo representante da maior colônia japonesa do mundo. Mesmo com saudades do Brasil, Go continua vivendo no Japão onde se casou e teve filhos. E apesar da distância sabe que tanto o judô quanto o sumô ajudaram a criar uma relação muito forte de amor, respeito e confiança com sua família, principalmente com seus irmãos Fábio e Cláudio, que se espelharam no irmão mais velho e também conquistaram muitos prêmios nos dois esportes, com destaque para o caçula Cláudio que foi campeão mundial de sumô amador na categoria peso-leve em 2002 e vice-campeão em 2004.
Até mesmo Seu Luiz se envolveu no esporte, mas como dirigente. Chegou a ocupar o cargo de presidente da Confederação Brasileira de Sumô, onde trabalhou muito para a divulgação do esporte. Aliás, é para o pai que Gô dedica toda a sua carreira como lutador pois foi ele o grande incentivador, patrocinador e torcedor. Para o ex-lutador, todas as medalhas, prêmios e troféus não significaram nada comparados ao sentimento de realização ao ver a cara de alegria e satisfação do pai a cada conquista sua.
Postado por Alexandre Sakai | 10 comentários
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Perfil
Alexandre Sakai é publicitário. Paulistano, nascido no bairro do Ipiranga, é sansei, neto de japoneses. Adora fuçar livros, revistas e a internet atrás de informações e novidades. Atualmente tem coletado histórias curiosas da comunidade japonesa no Brasil para escrever um livro.
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