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Veja, 9/06/1971

O horror e a paz

DA REDAÇÃO

Em 1940, para o menino Kazuo, no pôrto de Kobe, no Japão, os verdadeiros cowboys não eram os dos filmes de faroeste americano. Eram os gaúchos do Rio Grande do Sul, de poncho, chimarrão e bombacha, que seu pai fotografava quando vinha à misteriosa América do Sul em viagens comerciais. Hoje, aos quarenta anos, Kazuo Wakabayashi já realizou o sonho da sua infância: viver naquele país que sugeria o verde e o descampado imenso dos pampas. O Brasil lhe apareceu em primeiro lugar como a côr intensa da luminosidade tropical.

Mas essa reação externa foi superada pela transformação interior que a mudança lhe trouxe. Ao chegar ao Brasil, em 1961, quando abriu os caixotes que continham algumas telas pintadas aos dezesseis anos na Escola de Belas-Artes de Tóquio, sofreu um choque. Criadas sob o impacto traumatizante da guerra e das bombas atômicas lançadas em Hiroxima e Nagasaki, retratavam figuras humanas contorcidas, mutiladas, despojadas de tudo e perplexas numa paisagem sem passado nem futuro. Era uma fase que hoje êle chama de "surrealista" e que captava o horror diário dos bombardeios e da fome. A natureza brasileira exuberante o afastou dêsse figurativismo emocional do início. As pedras de coloração matizada, as folhas, as texturas rugosas de árvores nunca vistas inspiraram telas abstratas. Na sua exposição atual na galeria Astréia, em São Paulo, êle varia êsses elementos que evoca em seus quadros magníficos: barras vermelhas contrastando com um semi-círculo lunar, faixas horizontais azuis correndo paralelas a formas cônicas cinzentas ou côr de barro.

Um homem sério - No quintal de sua casa no bairro semi-rural do Jabaquara, na capital paulista, prefere ter seu atelier ao ar livre, sob o sol. Coloca as telas sobre o cimento e as submete a um bombardeio hostil. Queima certas partes derramando álcool sobre elas e ateando-lhes fogo. Raspa com a espátula superfícies comidas pelos ácidos. Corta a tela a golpes de tesoura e acumula camadas de tinta com violência. Ou, com sutileza delicadíssima, compõe com tiras de tinta constrastes maravilhosos de côr. Suas telas, neste ponto aparentadas com de Sachiko, formam um verdadeiro baixo-relêvo palpável e intencional. Essa rugosidade e essas concretas saliências ásperas simbolizam para êle a passagem do tempo, um dos motivos-chave de sua pintura. Além de se manter fiel a seu nome de batismo (Kazuo em japonês significa homem sério e calmo), Wakabayashi (Bosque Nôvo) conserva, do Japão, uma melancolia e uma cordialidade orientais.

Pintar: provocação - Seu refúgio tranqüilo num bairro distante lhe dá a oportunidade de encontrar o verde que desaparece no centro industrial sob a fuligem cinza das fábricas. Temperamental, não dá a jornalistas e críticos acesso a sua casa. Acha que o que conta é o resultado de seus trabalhos, e êsses estão expostos publicamente (de 2 a 5 milhões cada quadro), e não sua vida particular com a mulher e dois filhos. Antes de cada exposição êle sente a tela vazia como um desafio inquietante. Não adere à arte de vanguarda - cinética ou criadora de objetos - porque acha que a pintura a óleo ainda não esgotou seus recursos expressivos. Pintar é sinônimo de uma provoçação: o artista tem que renovar-se, evoluir constantemente. "Por isso, não quis participar dessa próxima Bienal, porque achei que não estava pronto, com uma fase totalmente nova."

Lendo muito e fazendo poesias, Wakabayashi explica que pinta como quem vota numa eleição: a pintura é participação, é uma interpretação personalíssima filtrada através de uma sensibilidade.

Mas mesmo a sua pintura intensa e fascinante êle considera "só parcialmente livre". O artista está condicionado por fatôres políticos, sociais e econômicos que levam à venda mensal indispensável para sobreviver. Numa visão ideal, ao contrário, a pintura seria como uma contemplação zen-budista: não serve para ser comercializada pois é uma meditação ativa sôbre a tragédia e a comovente condição humana.


 

 
 

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