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Veja Rio, 12/11/2003

A nova cozinha do sol nascente

LIVIA DE ALMEIDA E FERNANDA THEDIM

Combinações ousadas e ingredientes exóticos reinventam o menu japonês

André Nazareth Strana
Combinado light do Manekineko: o tofu substitui o arroz nos rolinhos.
 

A nissei Marina Kunyi chegou ao Rio há quinze anos. Nascida e criada em São Paulo, onde a colônia japonesa é grande, Marina percebeu com espanto que seus traços orientais causavam espécie entre os cariocas. “Na rua, as pessoas falavam em inglês comigo, pensando que eu era estrangeira. Se eu queria comprar alguma coisa, me diziam o preço em dólares. Eu chorava, porque queria abrir um restaurante japonês na cidade e imaginava que, se aquela gente estranhava minha aparência, o que não diria de minha comida”, lembra Marina, dona do restaurante Madame Butterfly, em Ipanema.O espanto diante do sabor do peixe cru, da raiz-forte, dos brotos e dos cogumelos de formato diferente não durou muito. A comida japonesa, novidade nos anos 80, caiu no gosto do carioca. “É uma culinária leve, adequada ao clima quente da cidade, que logo agrada a quem se preocupa com uma alimentação mais saudável”, conta outra Marina, a Tasakhi, que comanda a cozinha do Ben Kei depois de anos à frente do Kotobuki. Segundo o sindicato dos restaurantes, em 1993 havia apenas sete estabelecimentos dessa especialidade na cidade. No levantamento mais recente, de agosto deste ano, foram contabilizados sessenta. Isso sem contar os restaurantes por quilo e as churrascarias que incorporam os bolinhos de arroz e o peixe cru à oferta de seus bufês.

André Nazareth Strana Importados do Japão fazem a festa no Ten Kai: novos sabores.

No decorrer dos anos, o perfil do japonês carioca se diversificou. A cidade abriga aqueles que cultivam a tradição e se esmeram em oferecer iguarias importadas diretamente do Japão, como o Azumi, em Copacabana, e o Ten Kai, em Ipanema. Mas cresce cada vez mais o número de restaurantes que investem na fusão da culinária oriental com ingredientes e técnicas ocidentais, em combinações ousadas, capazes de arrepiar o coque de qualquer samurai. “Há um público exigente que não quer mais comer só sushi e sashimi”, diz Nao Hara, 29 anos, chef do Shin Miura, no Centro, e responsável pelo menu degustação do Madame Butterfly, em Ipanema.

Nao adora utilizar frutas em suas criações. Recheia linguado com lichia, monta uma delicada torre de sashimi de atum com damasco, coco e gelatina de raiz-forte e usa musse de coco, perfume de maracujá e mostarda japonesa para acompanhar um espetinho de camarão empanado ao gergelim. São receitas que certamente fariam seu pai, originalmente um agricultor nascido no Japão, torcer o nariz. “O Nao ousa com uma certeza impressionante. E eu tinha medo de que dissessem que eu oferecia uma cozinha japonesa degenerada”, conta Marina Kunyi, sua parceira há três meses no Madame Butterfly. “Eu conheço bem a cultura e a tradição orientais. Sei o que pode e o que não pode. Por isso estou mudando a cara da comida japonesa que se faz no Rio”, diz Nao.

André Nazareth Strana Sushi Leblon: Nobu como inspiração e ousadia em pratos como o sashimi morno com cítricos

Formado pela prática na cozinha do Shin Miura, modesto restaurante do edifício Avenida Central, no Centro, Nao passou um ano em Tóquio no fim da década passada. Foi lá que descobriu a cozinha contemporânea. Ao voltar para o Brasil, ainda timidamente, implantou no Shin Miura um menu degustação de quatro pratos, em que explorava combinações mais ousadas. A fórmula ficou conhecida na casa como “esqueminha” e hoje responde por 30% das vendas do restaurante que pertence à família de Nao. São mais de sessenta “esqueminhas” vendidos no almoço. As receitas mudam diariamente e são inventadas no próprio dia por Nao. “A intuição é o melhor tempero da culinária”, garante ele.

Enquanto o chef nissei inventava novidades no Centro, as sócias Ana Carolina Gayoso, Bia Stewart e Marina Hirsch, do Sushi Leblon, também investiam na pesquisa de uma culinária oriental e contemporânea. “Ficávamos encantadas com as criações de chefs como o Nobu, de Nova York”, diz Ana. Voltavam de viagem cheias de idéias, mas esbarravam na resistência dos próprios chefs. “Só conseguimos fazer mudanças depois que deixamos de ter chefs japoneses. Eles são muito conservadores e resistentes às novidades”, lembra Marina. A potiguar Graça, ex-mulher do veterano sushiman Yasuto Tanaka e dona do Miss Tanaka, no Jardim Botânico, passou pela mesma experiência. “Minha equipe só queria fazer o tradicional. Demorou, mas acabou aceitando minha proposta de misturar elementos da cozinha nordestina e japonesa”, conta Graça, que introduziu no menu o acarajapa (casquinha frita de tofu recheada) e a tempura de jaca.

André Nazareth Strana

nipo-nordestinas, como a salada sashimi de atum com manga, um dos pratos de verão do Miss Tanaka

Enquanto no Miss Tanaka as novidades ficaram por conta da bagagem de vida e do temperamento arretado de Graça, no Sushi Leblon a revolução durante dois anos foi promovida pela criatividade do consultor gastronômico Felipe Bronze, 25 anos. Formado pelo Culinary Institute of America, em Nova York, com passagem pela cozinha do Nobu, Bronze colocou o foie gras na lista de compras do restaurante carioca. Seu menu, que ainda está em vigor no Sushi Leblon, tem enrolados de foie gras com brunoise de manga, salmão marinado com foie gras, tempura de vieiras e foie gras e, para variar um pouco, sashimi morno marinado em cítricos. Sem um pingo de sangue nipônico, Felipe Bronze nem sabe o que são as crises de descendentes como Marina Kunyi, preocupados com o delicado equilíbrio entre a tradição e a inovação. “Não tenho o menor compromisso com a tradição. Para falar a verdade, não entendo bulhufas da técnica deles. O que me interessa é aproveitar certos conceitos dessa culinária”, diz Bronze, que abre em janeiro um restaurante de culinária asiática contemporânea em Ipanema. Ele promete ficar bem longe da mesmice. “Tempura de camarão e legumes e rolinho primavera com molho agridoce cor-de-rosa não passam nem na porta”, dispara. Não vão faltar receitas com foie gras, é claro, além de pratos novos com arroz arbóreo e trufas. Felipe planeja também novidades em relação aos molhos que acompanham os enrolados. Ele considera tedioso o molho de soja usado costumeiramente. “É bobo ter um molho universal para 150 tipos de sushi”, afirma.

Uma demonstração da disposição camarada do carioca para as inovações com sotaque oriental é o crescimento da rede Manekineko, iniciada em 1999 e hoje com quatro casas na cidade. Desde o início, a dona, Fernanda Garritano, fez questão de colocar no menu sugestões incrementadas, ao lado dos rolinhos mais populares. O menu de sugestões varia a cada três meses. Recentemente, ela inventou, por exemplo, um combinado light, que leva tofu no lugar do arroz. Outras novidades de Garritano misturam ingredientes de procedências variadas. Ela fez um yakisoba de salmão com pesto de nori (um tipo de alga), temperado com endro fresco e manjericão. “Procuro dar um toque contemporâneo às receitas e adaptá-las ao nosso clima”, diz.

Nem todo mundo demonstra entusiasmo diante de tanto experimentalismo no reino dos hashis. Yasuto Tanaka, dono do Tanaka-San, bem que resistiu ao califórnia, recheado com manga e kani, e aos enrolados recheados com cream cheese, como o philadelphia. Acabou capitulando, mas mantém a desconfiança diante das misturas ousadas propostas por outros chefs. “A culinária oriental tem uma tradição que deve ser respeitada. Não consigo misturar tapioca com sashimi de salmão”, diz Tanaka. César Hasky, do Ten Kai, mesmo sem ter traços de sangue japonês, também cultiva a tradição até no corte do peixe, servido mais grosso do que em outros estabelecimentos. “O sabor tem de explodir no céu da boca. Se a fatia é fina demais, isso não acontece”, afirma. As meninas do Sushi Leblon defendem o corte mais fino. “Fizemos o sushi com uma fatia mais fina e menos arroz e ele ficou mais agradável para a boca”, garante Marina Hirsch. César, do Ten Kai, prefere cativar os paladares ávidos por novidades com produtos que importa a cada dois meses do Japão, como o idako, um minipolvo, diversos tipos de conserva e até gafanhotos crocantes. Mantém pelo menos oito peixes no cardápio, além de ostras, crustáceos e moluscos. “Mas boa parte da clientela ainda se limita ao atum e ao salmão”, conta.

O bastião da tradição japonesa na cidade é o Azumi, em Copacabana. Enquanto os brasileiros formam a clientela majoritária da maioria dos restaurantes japoneses, no Azumi eles dividem a freqüência com os orientais. “Não fazemos essas mudanças sem pé nem cabeça que acontecem por aí”, diz Alissa Ohara, que comanda a casa. Ninguém deve sequer pensar em pedir aqui uma porção de hot philadelphia, rolinho empanado e recheado com cream cheese e salmão que faz sucesso pela cidade. “Não utilizamos nenhum tipo de queijo, a não ser o tofu”, explica Alissa. E nem só de sushi e sashimi vive o menu. Alissa calcula que 70% das vendas são de pratos quentes. Algumas vezes, mal-entendidos ocorrem. Certa vez, Alissa caprichou em uma sopa de peixe para um cliente especial. Quando o caldo chegou à mesa, com a cabeça do peixe boiando, o cliente não escondeu sua decepção. “Ele disse que esperava que eu fizesse a sopa com a carne nobre. Mas, para nós, orientais, o pescoço do peixe é a parte mais nobre”, conta. Tradicional ou contemporânea, a cozinha oriental ainda reserva muitas surpresas a quem ouse explorá-la. “Não são só os restaurantes franceses e italianos que são capazes de oferecer uma gastronomia sofisticada. Os japoneses vieram para ficar”, avisa Nao Hara.

O império oriental no Rio

  • As quatro casas da rede Manekineko utilizam 8 toneladas de peixe por mês
  • O menu do Ten Kai oferece 180 pratos diferentes, do combinado de atum e salmão à porção de gafanhotos crocantes
  • O chef Nao Hara, do Shin Miura, prepara diariamente 60 menus degustação com quatro pratinhos
  • Yasuto Tanaka serve, mensalmente, 32 000 sushis no Tanaka-San

Serviço

  • Azumi, Rua Ministro Viveiros de Castro, 127, Copacabana, 2541-4294 (70 lugares). 19h/0h (ter. a qui. e dom.) e 19h/1h (sex. e sáb.). Cc.: todos.
  • Benkei, Rua Henrique Dumont, 71, Ipanema, 2540-4830 (80 lugares). 19h/0h (seg.), 12h/16h30 e 19h/0h (ter. a qui.), 12h/16h30 e 19h/1h30 (sex.), 12h/1h30 (sáb.) e 12h/22h (dom.). Cc.: D, M e V. T.: T e V.
  • Madame Butterfly, Rua Barão da Torre, 472, Ipanema, 2267-4347 (50 lugares). 12h/0h (seg. a dom.). Cc.: todos.
  • Manekineko Garden, Casashopping, Avenida Ayrton Senna, 2150, Barra, 2430-8033 (100 lugares). 12h/1h (seg. a qui. e dom.) e 12h/3h (sex. e sáb.). Cc.: todos. T.: Ch, T, Tc e V.
  • Miss Tanaka, Rua Pacheco Leão, 758, Jardim Botânico, 3205-7322 (50 lugares). 18h/0h (seg.), 18h/2h (ter. a sex.), 12h/1h (sáb.) e 12h/0h (dom.). Cc.: todos.
  • Shin Miura, Edifício Avenida Central, Avenida Rio Branco, 156, Centro 2262-3043 (89 lugares). 11h/15h (seg. a sex.) Cc.: todos. T.: Ch, T e V.
  • Sushi Leblon, Rua Dias Ferreira, 256, Leblon, 2512-7830 (80 lugares). 12h/16h e 19h/1h30 (seg. a sáb.) e 13h30/0h (dom.). Cc.: A, M e V.
  • Tanaka-San, Avenida Epitácio Pessoa, 1.210, Lagoa, 2522-9006 (150 lugares). 12h/1h (seg. a qui. e dom.) e 12h/2h30 (sex. e sáb.). Cc.: A e M.
  • Ten Kai, Rua Barão da Torre, 667, Ipanema, 2540-5100 (100 lugares). 19h/1h (ter. a sex.), 13h/1h (sáb.) e 13h/0h (dom.). Cc.: todos.

 
 

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