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Veja, 4/06/1986

Na trilha do Oriente

DA REDAÇÃO

Os japoneses ganham, a cada dia, um número maior de seguidores de seus costumes no Brasil

Os japoneses fisgaram os brasileiros primeiro pelo estômago, com seus pratos de peixes adornados de vegetais e cobertos de molhos delicados. Mas o golpe culinário foi apenas o primeiro. No rastro da infinidade de restaurantes japoneses que passaram a moldar o paladar de degustadores em busca de novidades, surgiu toda uma gama de modismos e hábitos de inspiração oriental no Brasil. Mais do que nunca a vaga japonesa está arrebanhando novos adeptos para os encantos e tradições do país. Quem poderia imaginar que já existe no Brasil um número não desprezível de pessoas que cultivam a arte do ikebana, a composição de arranjos florais que serve também de terapia ocupacional, e do nishikigoi, a criação de carpas coloridas? Pois há uma vigorosa leva de pessoas entretidas com esses e outros costumes e segredos milenares do Japão. "Eles me ensinaram a ter paciência", diz a estilista paulista Nesa Cesar, 32 anos, que não deixa de visitar o Japão pelo menos uma vez por ano.

Nesa não dispensa também iguarias japonesas e tem a casa cheia de vasos e luminárias que traz de suas viagens. E mesmo as roupas que desenha costumam assimilar padrões e estilos de costureiras famosos como Kenzo Takada, Rei Kawakubo e Yoji Yamamoto, que dominaram durante quase toda a última década a moda de Paris. O interesse pelo que se passa no outro lado do mundo pode ser medido também pelo burburinho das companhias aéreas. "Nunca tivemos tantos passageiros na rota oriental como em 1985", conta Isilda Dias, relações-públicas da Japan Air Lines, que, junto com a Varig, dobrou seus vôos para suas viagens ao Oriente via Tóquio. Pelo menos 1 200 passageiros embarcam semanalmente nessa rota e a metade deles é formada de turistas brasileiros - o restante da lotação dos aviões fica por conta de empresários em viagens de negócios e de japoneses. "Em algumas épocas do ano temos até filas de espera", diz Sonia Duailibi, assessora de imprensa da Varig.

"De repente os brasileiros começaram a se interessar muito mesmo por nossa cultura", diz Hidenori Sakao, assessor cultural do Consulado do Japão em São Paulo. Há boas razões para espanto. Afinal, os primeiros contingentes de japoneses começaram a chegar ao Brasil no início do século - hoje são 750 000 radicados no Brasil - sem que jamais seus usos e costumes fossem considerados desfrutáveis pelas locomotivas da sociedade brasileira. Positivamente, o atrativo que o Japão exerce atualmente não só sobre os brasileiros como também sobre americanos e europeus decorre da imagem de potência tecnológica que o país criou: a de potência que concilia a reflexão, os bons modos e a paz interior com a vanguarda industrial. "O Japão e suas coisas são um oásis de reflexão e coordenação mental", diz a bailarina Bernadette Figueiredo, 42 anos. "A influência dos japoneses não vai parar de crescer no mundo e quando meus filhos estiverem crescidos eles estarão no auge", raciocina Paola Penney, 23 anos, que resolveu incluir em suas atividades diárias o estudo da língua japonesa. Ela passa pelo menos 1 hora por dia ensaiando a grafia dos caracteres orientais. "Essa é uma habilidade especial, pois são 3 000 ideogramas", diz Paola. "O esforço vale a pena, já que quero entender o que eles dizem." Paola não é a única a pensar assim entre os jovens de sua faixa etária. Dos 1 500 alunos que freqüentam as quatro unidades da Aliança Cultural Brasil-Japão, em São Paulo, 150 são brasileiros. A maioria empenhada no shodoo, o estudo da grafia da língua japonesa.

Para quem não quer esperar a hora de chegar ao Japão, o Caesar Park Hotel, também de São Paulo, cidade que concentra o maior contingente de imigrantes japoneses no Brasil, tem condições de pelo menos simular uma boa estada. Há dois meses foram inaugurados dois quartos decorados ao estilo oriental e que custam o mesmo preço médio da diária normal, 3 000 cruzados. As camas são de shikibutom, uma espécie de acolchoado ao rés-do-chão, e são montadas todos os dias por uma servente vestida a caráter. "O importante nesse quarto é o clima diferente do que há lá fora", ensina Eico Shimba, relações-públicas do hotel.

Bons candidatos - Também os restaurantes tomam-se cada vez mais atraentes e fogem dos tradicionais redutos japoneses ocupados pela colônia. O Sushi Garden, recém-inaugurado, em São Paulo, instalou-se em plena região da Avenida Paulista, o centro financeiro da cidade. Seus pratos são mais baratos que os dos restaurantes japoneses tradicionais e pretendem atrair uma clientela que goste de comida japonesa a qualquer hora do dia. Como atração extra, o novo restaurante oferece um original serviço de mesa: os pratos chegam ao freguês em barquinhos que bóiam num canal de água contíguo ao balcão. Não há dúvida de que quando se trata de restaurante japonês a comida é sempre a maior atração. "Pelo menos quatro vezes por semana freqüento o Edo Garden", diz o cantor Ivan Lins, referindo-se a um dos melhores restaurantes dessa modalidade no Rio de Janeiro. Pela freqüência com que visita a casa, Ivan Lins amealhou entre os amigos o título de "rei da comida japonesa".

Se Ivan Lins pode ser coroado no Rio apenas por freqüentar restaurantes japoneses, arrebatar o título semelhante em São Paulo requer bom desempenho também em outras modalidades orientais. Há bons candidatos. A editora da revista Around, que circula na alta sociedade paulista, Joyce Pascowitch, 32 anos, concilia seu dia de trabalho - ela é também colunista social do jornal Folha de S. Paulo - com delícias japonesas. Joyce adora tudo que tem cara ou gosto de japonês - a culinária, as roupas, a música - e garante que isso lhe transmite "muita calma e introspecção". Aprendiz de ikebana, ela se reúne semanalmente com um grupo de amigos para tomar aulas de arranjo floral com a professora Tamiko Mizukini.

Colegial em férias - Quem não se interessar por nada do que motiva os orientalistas, a moda japonesa não deve ser descartada de pronto. Sua face múltipla inclui também surpresas como o origami, as dobraduras de papel para formar animais, objetos e máscaras, uma prática budista que se originou na nobreza e depois se disseminou por toda a sociedade japonesa. A paulista Maria Helena Costa Valente Aschenbach, 48 anos, não apenas aprendeu essa arte como tornou-se exímia nela. Hoje ela é professora e seu nome é indicado pelo próprio consulado japonês. O ex-prefeito de Osasco Guaçu Piteri foi buscar seu hobby numa das mais cobiçadas tradições japonesas, a criação de carpas, o peixe da felicidade no Japão. "Levanto 1 hora mais cedo e durmo 1 hora mais tarde, com muito prazer, para cuidar de minhas 22 carpas", diz Piteri, que acabou se tomando vice-presidente da Associação Brasileira de Nishikigoi, carpas coloridas, em japonês. A estilista carioca Marcia Pinheiro, outra adepta das influências nipônicas, veste quimonos e segue a tendência da decoração despojada em suas lojas. Ela já visitou sete vezes o Japão e pensa em voltar outras tantas. Mais: de tanto ir a Tóquio comprou duas bicicletas que ficam guardadas no seu hotel preferido e que lhe servem para passear pela cidade. "O Japão é um relaxamento mental", diz. "Sinto-me uma colegial em férias."


 

 

 
 

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