Reportagens › Na terra do amor nascente
Claudia, 1/06/2008Daniela Venerando
Quando os orientais chegaram por aqui, há 100 anos, não acharam apenas um porto seguro. Encontraram também amizade e amor. Acompanhe o depoimento de casais de vários pontos do país que comprovam: o samba da miscigenação anima qualquer karaokê
Bahia
Japa no batuqueNão vejo a Sandra como uma brasileira, e sim como a mulher que eu amo. Sempre fui louco para conhecer outros países e culturas. Em Osaka, me formei em letras e estudei português. Durante as aulas, eu via slides de fotos de Salvador e imaginava que todas as ruas eram como as do Pelourinho. Acabei aportando na Bahia aos 22 anos por meio da Associação de Intercâmbio Japão e Brasil. Aqui, as pessoas são mais comunicativas e expressam os sentimentos; o que nem sempre é fácil para mim. Tanto que demorei muito para me declarar à Sandra! Mas, culturalmente, me sinto em casa. Ouço música brasileira, e ela oriental. Adoro feijoada e rabada; ela prefere sushi. Sandra é filha de Oxum, mas deixou de freqüentar o terreiro de candomblé, então eu vou sozinho para ouvir o batuque. A música me acalma e a mente fica centrada. Por lá, sou conhecido como “o japonês da baiana”. Só não consegui me acostumar com a falta de pontualidade brasileira. No Japão, isso é considerado falta de respeito. Por isso, fico apressando a Sandra na hora de sair de casa, mulher demora demais para se arrumar... HIROSUKE
Fiquei encantada com a persistência e a paciência do meu marido em me conquistar. Antes de conhecê-lo, nunca tinha tido contato com um japonês. Na Bahia, essa comunidade é pequena e fechada. Eu temia a reação da família dele, mas, para minha surpresa, seus pais são muito abertos e, não por acaso, o nome Hirosuke significa visão ampla. Quando nos casamos, fomos ao Japão. Logo no aeroporto, a mãe dele me deu um abraço forte e me senti imediatamente acolhida. Meus sogros organizaram uma festa enorme e convidaram todos os parentes. Eles já vieram nos visitar duas vezes e mandam CDs de música japonesa para eu colocar na sala de massoterapia. Por causa da minha profissão, sempre estive próxima à filosofia oriental e atualmente freqüento reuniões budistas. Enquanto isso, meu marido vai ao terreiro de candomblé. Depois de casados, passei a cumprimentar as pessoas abaixando a cabeça, com uma breve reverência, e dentro de casa só uso chinelos – meus amigos riem quando vou visitá-los e deixo os sapatos na porta. SANDRA
Porto alegre
Tudo começou porque um jornal da comunidade japonesa me contratou para registrar o ateliê de um artista plástico oriental e Fernanda estava trabalhando lá. Logo depois, encontrei-a por acaso numa galeria de arte. Tivemos um namoro tão intenso que em cinco meses resolvemos oficializar nossa união. A idéia inicial era fazer a cerimônia apenas no civil, mas acabamos nos casando no budismo a pedido da minha família. Sou o filho mais velho, meus avós seguiam a religião. Meus pais não a praticam, mas eu sim. Depois de adulto, me encantei com essa filosofia, que prega a harmonia no dia-a-dia. Visitei muitos templos no Japão e passei a meditar diariamente. Nosso casamento foi realizado por um monge, em japonês, com tradução em português. No ritual, além da troca de alianças, tomamos o saquê por nove vezes e proferimos as orações budistas. Foi um momento especial. MARCUS
Sou espírita e minha crença acolhe todas as religiões. Por isso achei interessante casar em um templo, respeitando as tradições de Marcus. Quando fomos conversar com o monge, ele me indicou a meditação, algo inédito para mim. Sentada na posição de lótus, eu devia manter o olhar fixo durante uma hora. Não era confortável, mas eu gostei. Durante a cerimônia, todos meditam – apenas por cinco minutos, para sorte dos convidados. O culto foi emocionante, meus pais adoraram. Tivemos uma bênção com água, muitos agradecimentos, oferendas de flores a Buda e às nossas mães. Minha sogra me ensinou a fazer alguns pratos, como missoshiru, yakissoba e sushi, mas eu ainda não consigo comer peixe cru, sou uma gaúcha carnívora. Na primeira visita da minha família, fiz o Marcus comprar uma churrasqueira. Imagina meu pai chegar em casa e não ter churrasco! FERNANDA
Rio de Janeiro
Nos primeiros anos, o pai dela foi contra o namoro e chegamos a discutir feio por isso. Ele preferia um genro japonês ou descendente. Quando decidimos nos casar, tentei reabrir o diálogo. Ele aceitou o casamento, mas percebi que ainda não havia se convencido do meu amor por sua filha. O tempo passou e hoje sinto que sou o filho que meu sogro nunca teve. Conquistei sua confiança e procuro seguir todos os costumes da sua terra – até tomar sopa de macarrão fazendo barulho, como eles. Aprendi um pouco do idioma e chego a ponto de cantar em japonês no karaokê da família. No começo, confesso que estranhei a culinária japonesa, mas aos poucos acabei gostando. Minha mãe ensinou a Aiko a fazer comida brasileira. Em casa, comemos feijão-carioca com gohan, o arroz japonês. A mistura dá um caldo bom, como o nosso casamento. MAURINO
Tive muita dificuldade de adaptação ao chegar ao Brasil, principalmente por causa do idioma. Eu nasci aqui, mas fui para o Japão com 6 anos e só retornei aos 20. Como meu diploma não valia no país, quando o namoro começou Maurino passou a me dar aulas de matemática e português, foi atrás de escolas para mim, e isso levantou minha auto-estima. Fiquei bem impressionada, pois no Japão os relacionamentos são mais frios. Lá, meus namorados andavam na minha frente e tinham vergonha de demonstrar carinho em público. Aqui é diferente, meu marido é carinhoso, andamos de mãos dadas na rua e ele me incentiva, sinto-me valorizada. O lado negativo é que o brasileiro é muito ciumento. Aqui, porém, o homem pensa no trabalho e na vida familiar. No Japão, o trabalho é prioridade, o que acaba prejudicando o casamento. Para mim, família é tudo, por isso foi uma alegria quando, depois de tanto relutar, meu pai finalmente aceitou meu marido brasileiro. Hoje em dia os dois se dão muito bem. AIKO
São Paulo
Muitos se espantam ao ver um oriental com uma judia, pois são duas comunidades fechadas. Às vezes, escuto comentários preconceituosos, mas é gratificante quando dizem que meus filhos são lindos por causa da miscigenação. Meu pai, Hiroshi, era um japonês tradicional e, como sou o mais velho, recebi uma típica educação oriental – aos 12 anos, cuidava da casa e dos meus dois irmãos. Quando me apaixonei pela Miriam, não houve empecilho, nossas famílias já eram próximas – sou amigo de infância dos ir mãos dela. Talvez meu pai, que na época do casamen to já havia falecido, preferisse uma nora japonesa e uma cerimônia budista, mas tenho certeza de que apro vou a união porque a Miriam me completa, divide até o tatame comigo. O judô mantém a influência oriental na família. Nossos filhos praticam conosco. EDISON
Sou espírita e minha crença acolhe todas as religiões. Por isso achei interessante casar em um templo, respeitando as tradições de Marcus. Quando fomos conversar com o monge, ele me indicou a meditação, algo inédito para mim. Sentada na posição de lótus, eu devia manter o olhar fixo durante uma hora. Não era confortável, mas eu gostei. Durante a cerimônia, todos meditam – apenas por cinco minutos, para sorte dos convidados. O culto foi emocionante, meus pais adoraram. Tivemos uma bênção com água, muitos agradecimentos, oferendas de flores a Buda e às nossas mães. Minha sogra me ensinou a fazer alguns pratos, como missoshiru, yakissoba e sushi, mas eu ainda não consigo comer peixe cru, sou uma gaúcha carnívora. Na primeira visita da minha família, fiz o Marcus comprar uma churrasqueira. Imagina meu pai chegar em casa e não ter churrasco! MIRIAM
Cabelo e maquiagem: Edson Morales/São Paulo, Chris Parente/Produção Sylvia Radovan/Cabelo e maquiagem Sandro BorgesVisite o site: www.claudia.com.br
Os japoneses chegaram aqui há um século. Desde junho de 1908, muita coisa aconteceu. Ajude a resgatar essa memória.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil