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Veja, 28/02/2007

A batalha do Senhor Onoda

MARCELO BORTOLOTI, de Campo Grande, MS

Ele só se rendeu 29 anos depois do fim da II Guerra. Mudou-se para o Brasil, enriqueceu no campo e lucra com sua história.

O japonês Hiroo Onoda é um homem obstinado. Há 32 anos, quando chegou ao Brasil, queria tornar-se pecuarista mesmo sem entender nada do assunto. Enriqueceu trabalhando até a madrugada. Hoje, quando passeia por sua fazenda, a 70 quilômetros de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, o que vê é um rebanho gordo, com 1.700 cabeças de gado. Mas não é esse o principal exemplo de sua tenacidade. Antes de chegar ao país, Onoda foi tenente do Exército japonês. Movido pela certeza de que estava cumprindo o seu dever, lutou durante 29 anos nas selvas de uma pequena ilha, sem nenhum descanso, e também sem suspeitar que a guerra já havia acabado. Ele e sua reduzida guarnição mataram trinta pessoas e feriram mais de 100, ação pela qual Onoda foi perdoado pelo presidente das Filipinas em 1974, quando se rendeu. No jargão militar, o ex-tenente é um holdout, termo usado para designar alguns poucos militares japoneses que, alheios ao fim do conflito, continuaram lutando depois da II Guerra até a última bala, ou enquanto sua espada estivesse inteira.

Onoda, que se refugiou no Brasil porque muitos conterrâneos na época o consideraram maluco, não foi o holdout que permaneceu mais tempo em combate. Entretanto, foi o que se tornou mais famoso e o único que ainda hoje colhe frutos de sua experiência singular. Onoda já escreveu cinco livros sobre o tema. O primeiro deles, Os Trinta Anos de Minha Guerra, teve uma pequena tiragem no Brasil e foi traduzido para dezessete países. Além disso, mantém no Japão a Fundação Onoda, que ensina jovens estudantes a sobreviver na selva com recursos naturais – e que espantosamente consegue atrair turmas de até oitenta jovens por temporada. Também profere anualmente uma média de cinqüenta palestras sobre sua experiência. Cobra 50.000 ienes por palestra, algo em torno de 900 reais, o que não é muito, mas, no conjunto, significa um extra de 45.000 reais por ano e ajuda a propagar a sua história. Por causa dessa farta atividade, além dos prósperos negócios em Mato Grosso do Sul, o ex-combatente construiu uma casa de seis andares em Tóquio, algo incomum para os padrões japoneses, e passa dois terços do ano por lá.

Onoda não tem porte típico de militar – mede 1,59 metro e pesa 48 quilos. Prestes a completar 85 anos, traz no rosto um sorriso fácil e afável, mas até hoje não aprendeu a falar português. Mal parece o protagonista de uma das histórias mais dramáticas e inusitadas da literatura militar. Em 1944, quando tinha 22 anos, foi enviado para sua primeira missão na Ilha de Lubang, nas Filipinas. Tinha ordens de não se render sob nenhum pretexto, e as levou a cabo. Mesmo depois que os americanos tomaram a ilha, permaneceu combatendo escondido na mata. No ano seguinte, quando a guerra terminou, aviões soltaram panfletos alertando os resistentes de que deveriam cessar fogo. Treinado em atividades de espionagem e guerrilha, Onoda não deu crédito ao recado – concluiu tratar-se apenas de um embuste do inimigo. Sem nenhum equipamento de rádio, nos anos seguintes ele e outros três soldados levaram adiante diversas ações de guerrilha e sabotagem. A ilha era então habitada por 5.000 filipinos, que sentiram na pele cada manobra dos japoneses. "Defendemos uma faixa de terra onde era mais fácil o nosso Exército entrar. Quem se aproximasse levava tiro. Ficamos ali esperando reforços, que nunca apareceram", diz Onoda.

Um de seus companheiros decidiu entregar-se poucos anos depois. Os outros dois comparsas morreram em tiroteio com residentes locais. Sozinho, Onoda se esquivou de qualquer novo golpe do "inimigo". Sinais externos sugeriam a ele que o conflito permanecia. De tempos em tempos, nuvens de aviões americanos cruzavam o céu, e, então, o tenente disparava seu rifle contra aeronaves a caminho da Guerra da Coréia e, mais tarde, do Vietnã. Depois de ser dado como morto na década de 60, foi descoberto por um jornalista japonês em 1974. Apesar da insistência, não quis se render até que um superior seu fosse levado à ilha para dar ordens de entregar as armas. Onoda tinha então 52 anos, trazia ainda o uniforme completo e o velho rifle funcionando. "Foram trinta anos sem nenhum motivo de alegria. Também não havia tempo para ficar lamentando, o dia inteiro era preciso pensar na sobrevivência", diz Onoda, que se alimentava de caça e bananas. Até hoje a causa militar parece persegui-lo. Parte de suas terras em Mato Grosso do Sul é usada para treinamento da Força Aérea Brasileira. Semanalmente, helicópteros baixam em seus pastos para manobras diversas. Nada, é claro, capaz de assustar Hiroo Onoda.


 

 

 
 

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